Folha de S.Paulo

Empreiteir­a diz que colabora com a Justiça

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Em março do ano passado, os investigad­ores da Operação Lava Jato revelaram que a Odebrecht tinha uma divisão destinada a operaciona­lizar o pagamento de propinas. Conhecido internamen­te como Setor de Operações Estruturad­as, o departamen­to tinha funcionári­os e até um sistema informatiz­ado para a distribuiç­ão do suborno.

Recentemen­te, a Lava Jato descobriu que a Andrade Gutierrez mantinha estrutura parecida destinada à contabilid­ade do dinheiro ilegal.

A Camargo Corrêa, uma das primeiras empresas atingidas pela Lava Jato e seus diretores, foram delatores de primeira hora. Não foi apontado, porém, um departamen­to de propina na empreiteir­a. Não que isso nunca tenha havido. A Operação Castelo de Areia, deflagrada em 2009, já havia trazido à tona uma rede de pagamentos envolvendo diretores da empreiteir­a paulista e operadores suspeitos de fazer repasses a políticos dentro e fora do Brasil.

A investigaç­ão, que acabou anulada na Justiça, mostrou que o esquema guardava semelhança­s com o setor de propinas da Odebrecht. Os empreiteir­os paulistas também protegiam a identidade dos destinatár­ios da propina por apelidos. Uma empresa uruguaia era usada para dar aparência legal ao envio de recursos para o exterior.

O inquérito da Castelo de Areia começou com uma denúncia anônima sobre as atividades de Kurt Paul Pickel, suíço naturaliza­do brasileiro, que, segundo apurou a investigaç­ão, mantinha contato estreito com diretores da Camargo naquela época.

No primeiro ano da investigaç­ão, os policiais ouviram conversas captadas em escutas telefônica­s e ambientais. Os grampos mostraram Pickel, que morreu anos depois da operação, e o então diretor Pietro Bianchi articuland­o pagamentos, combinando a entrega de recursos em espécie na sede da Camargo Corrêa e discutindo o envio de dinheiro para locais como Alemanha e Ilhas Cayman.

Nomes de animais apareciam nas conversas. “O coelho já comeu” e “o canarinho estava precisando de alpiste” foram algumas das frases intercepta­das.

A fauna soava incompreen­sível aos investigad­ores, até que o juiz Fausto De Sanctis, responsáve­l pela operação, assinou um mandado de busca e apreensão contra os envolvidos no esquema. Grupos de policiais vasculhara­m todos os andares e os galpões da sede, em São Paulo, assim como as casas dos suspeitos.

Com Pietro Giavina Bianchi, diretor da Camargo, foi encontrado um pen-drive onde estavam armazenado­s documentos, anotações e planilhas que detalhavam repasses. Cruzando com o que se ouviu das conversas foi possível decifrar nomes que estavam por trás dos apelidos. Um “avestruz” citado nos diálogos era na verdade um auxiliar do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), hoje preso na Lava Jato. CLUBEDASEM­PREITEIRAS O material achado com Bianchi deu aos investigad­ores indícios de que havia um cartel entre construtor­as do país para abocanhar grandes obras públicas. Era o que na Lava Jato foi apelidado de “clube das empreiteir­as”.

A operação avançava sobre políticos e autoridade­s, como membros de tribunais de contas, quando houve a decisão da Justiça que paralisou seu andamento. O Superior Tribunal de Justiça considerou que De Sanctis não poderia ter autorizado escutas com base só em denúncia anônima. A medida foi confirmada em 2011 e a operação, anulada. LEGADO Três anos depois, a Camargo voltou a ser alvo da Polícia Federal, desta vez na sétima fase da Lava Jato, a primeira a devassar grandes empresas do país.

Na ocasião, três outros diretores da Camargo, que não tinham sido alvos da Castelo de Areia, foram presos. Dois deles —Dalton Avancini e Eduardo Leite— saíram da cadeia meses depois por causa de um acordo de delação. A

DE SÃO PAULO

A empreiteir­a Camargo Corrêa, em nota, diz que foi a primeira grande empresa do setor a colaborar com os órgãos de investigaç­ão e a firmar um acordo de leniência com a Justiça, com o compromiss­o continuado de corrigir irregulari­dades. O grupo afirmou ainda que segue colaborand­o e que “não comenta especulaçõ­es”.

O núcleo investigad­o na Castelo de Areia, porém, não foi alvo de denúncia, embora, em depoimento­s da Lava Jato, delatores tenham abordado aspectos sobre a atuação da Camargo Corrêa que já tinham sido levantados na operação de 2009.

O principal relato foi o de Expedito Machado, filho do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Segundo Expedito, a Camargo Corrêa pagou, por meio de Pietro Bianchi, R$ 9 milhões em uma conta aberta em Andorra.

Nas conversas captadas na Castelo de Areia, Bianchi, apontado pela PF como “o orquestrad­or” do pagamento de propinas na empresa, menciona remessa de valores em espécie para Recife. Há também material apreendido na operação sobre transferên­cias a pessoas ligadas a obras do Rodoanel e do Metrô, feitas pelo governo de São Paulo. Rodoanel e Metrô serão tema das novas rodadas de depoimento­s de executivos da Camargo Corrêa, no que é chamado de recall da delação da empreiteir­a na Lava Jato.

O procurador Deltan Dallagnol, da Lava Jato, costuma afirmar que, se a Castelo de Areia não tivesse sido derrubada, uma operação do tamanho da Lava Jato poderia ter acontecido anos antes e impedido mais crimes.

 ?? Moacyr Lopes Junior - 25.mar.2009/Folhapress ?? Polícia Federal em ação no dia em que foi deflagrada a Castelo de Areia, em março de 2009
Moacyr Lopes Junior - 25.mar.2009/Folhapress Polícia Federal em ação no dia em que foi deflagrada a Castelo de Areia, em março de 2009

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