Folha de S.Paulo

Atração fatal

- FRANCISCO DAUDT COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

HÁ 20 anos o diretor de teatro Luís Antônio Martinez Corrêa, irmão do Zé Celso, foi assassinad­o por um amante hétero. O autor Aguinaldo Silva perguntou-se por que ele tinha que ir atrás de um hétero e se pôr em risco assim, por que não buscou outro gay?

A resposta é simples e complexa: o objeto de seu desejo teria que ser hétero, nenhum gay acenderia a mesma chama.

Aqui termina a parte simples da resposta, e ela passa a ser genérica. É quase um clichê dizer que os gays são cismados com os héteros, tanto quanto que eles são grudados em suas mães. Mas creio ser uma história ótima para ilustrar como o complexo de Édipo marca nosso desejo para sempre.

Mateus Solano como Félix, e Antônio Fagundes como seu pai, César, na novela “Amor à Vida”, retrataram muito bem essa trajetória clichê de quem nasce gay (sim, nasce gay; jamais “opta” por ser gay): um pai carinhoso com seu filho até o momento em que nota nele os primeiros sinais de efeminamen­to. A partir daí, rejeita-o para sempre, como a querer deletar a vergonha de ter um filho gay. O menino vai passar o resto da vida procurando sucessores do pai que o acolham e lhe corrijam a história. A tristeza da coisa é que ele será levado por seu desejo inconscien­te a procurar réplicas tão perfeitas do pai, que esses novos héteros fatalmente reproduzir­ão o acontecido: um primeiro tempo próximo, e até mesmo carinhoso, seguido de uma Nascer gay deixa uma criança vulnerável a encrencas de criação, que podem deixá-la doente mais tarde “descoberta” do desejo homo que os aproximou, o que levará à rejeição. Que, na melhor das hipóteses, se dará por afastament­o, mas que no extremo —se o hétero tiver uma crise de identidade sexual, como parece ter sido o caso descrito— pode resultar em assassinat­o. De fato, o homicídio mais comum praticado por michês acontece quando eles são acusados de não estarem se prostituin­do só por dinheiro, mas porque também gostam...

O complexo de Édipo, como se vê, consiste em se estar aprisionad­o a um assunto que originalme­nte não era nosso, e sim de quem nos criou: o gay dá murro em ponta de faca, querendo ser amado por um hétero, porque seu pai era homofóbico e o rejeitou.

É triste, mas é verdade, que a psicanális­e considerou há até bem pouco tempo a homossexua­lidade como doença, fazendo uma confusão maligna com outro fato pouco mencionado: nascer gay deixa uma criança vulnerável a encrencas tremendas de criação, que podem deixá-la doente mais tarde.

Não é exclusivid­ade dela, outras condições também fazem isso: nascer inteligent­e numa família de imbecis invejosos é altamente arriscado para uma criança, que sempre se sentirá devedora, por se perceber melhor que eles.

O curioso é que, mesmo quando se livram da doença neurótica e deixam de se apaixonar por réplicas do pai, o objeto do desejo desses homens continua a ser hétero. Apenas agora sem a paixão neurótica, o que lhes permite ser mais realistas e escolher parceiros que, mesmo preferindo mulheres, também são capazes de acolher o amor de outro homem.

Ou seja, o drama de nossa infância se foi, mas nosso desejo foi marcado por ele para sempre.

Isso não é mal, afinal, o desejo é a combinação de nossos instintos com nossa história. www.franciscod­audt.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil