Site colaborativo reúne línguas e sotaques do mundo
Projeto de engenheiro de software tem potencial pedagógico, avaliam especialistas; outras iniciativas mapearam variações no Brasil
Nígero-congolesa Austronésia
FOLHA
A curiosidade de mochileiro levou o engenheiro de software David Ding, ex-funcionário da Microsoft, a criar o website “Localingual” (https://localingual.com), um mapa-múndi no qual é possível clicar em cada país, e em seus Estados e regiões, para ouvir o sotaque local.
Para especialistas entrevistados pela Folha, a iniciativa tem potencial para virar uma excelente base de dados sobre a diversidade linguística do planeta, mesmo que alguns engraçadinhos da internet baguncem a amostragem de vez em quando.
“Por enquanto, o material no site ainda é pouco, mas a Trans-Nova Guiné Sino-tibetana tendência é que, com mais dados, ele vá se enriquecendo e se transforme numa ferramenta pedagógica útil. Já achei até umas coisas interessantes nos dialetos da região sul de Portugal”, diz Édson Reis Meira, professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) que traduziu a comédia “Lisístrata”, do dramaturgo ateniense Aristófanes, do grego antigo para os dialetos do sul da Bahia e de Pernambuco.
“É algo que pode aguçar o interesse das pessoas por essa diversidade de dialetos e sotaques”, analisa Renato Miguel Basso, linguista do Departamento de Letras da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
A interface do Localingual é simples. Cada palavra ou 450 Indo-europeia frase aparece ainda na forma escrita, na língua local e também em inglês. Dá para curtir ou “descurtir” determinada gravação e também saber de antemão se ela está em voz feminina ou masculina.
Como a plataforma é colaborativa, há margem para gente com espírito-de-porco. Sotaques da Escócia, no Reino Unido, por exemplo, muitas vezes foram substituídos por gente emitindo grunhidos. Ding declarou à revista britânica “Wired” que implementou um sistema automático de aviso: quando uma gravação atinge certo número de “descurtidas”, ela é apagada.
Apesar disso, há avanços: segundo Meira, a fronteira adotada para separar dialetos de um mesmo idioma de línguas Regiões aproximadas nas quais o idioma oficial da nação pertence à família linguística indicada diferentes é a compreensão mútua: em princípio, falantes de dois dialetos devem ser capazes de se entender entre si.
“Ao mesmo tempo, cada dialeto tem características únicas em todos os níveis de análise” – como variações na gramática, no vocabulário e nos sons de vogais e consoantes. Sotaques, por outro lado, são basicamente uma questão de variação sonora, como a pronúncia da palavra “tio”, que soa como “tchio” em várias partes do Sudeste enquanto apresenta um “t puro” em boa parte do Nordeste.
Para o professor da UFMA, seria interessante incentivar quem participa do site a pronunciar frases que ilustrem características típicas de seus dialetos, como detalhes peculiares de sua gramática.
Outra forma de padronização seria pedir que os falantes da mesma língua gravassem sempre a mesma frase, opina Basso, da UFSCar. “LÍNGUAS” BRASILEIRAS Uma série de projetos importantes têm mapeado a diversidade de dialetos e sotaques em nível nacional. Um marco da área no Brasil foi a criação do Projeto Norma Urbana Oral Culta, que gravou conversas, aulas e palestras em algumas capitais do país, na década de 1970 (gravações da amostragem carioca podem ser ouvidas no endereço j.mp/2lvvg9M).
A partir de 1996, linguistas do país uniram forças no projeto Alib (Atlas Linguístico do Brasil), que entrevistou 1.100 pessoas em 250 cidades. O atlas foi publicado em 2014, em dois volumes, e pesquisadores de cada Estado também têm trabalhado numa versão regional, diz Meira.
Para quem sabe inglês e deseja examinar de modo detalhado como as línguas do planeta funcionam, Basso sugere uma visita ao site do Wals (sigla inglesa de Atlas Mundial de Estruturas Linguísticas), no endereço wals.info.
“Muita gente pensa que todas as línguas têm artigo definido”, exemplifica o pesquisador —como “o” na expressão “o menino”. “Na verdade, muitas não têm.” O site do Wals coloca essas e outras características no mapa-múndi, de forma fácil de entender e rastrear.