Folha de S.Paulo

Sócio da PwC trocou envelopes do Oscar

Brian Cullinan é quem tira os resultados selados de uma pasta e entrega-os aos apresentad­ores antes de subirem ao palco

- BROOKS BARNES CARA BUCKLEY MÔNICA BERGAMO

Cartão entregue à dupla Faye Dunaway e Warren Beatty exibia nome de Emma Stone, premiada pelo filme ‘La La Land’

É um dos trabalhos mais sigilosos e incomuns de Hollywood: Brian Cullinan, sócio da firma de auditoria Pricewater­houseCoope­rs, e uma colega são encarregad­os de assegurar a distribuiç­ão correta das estatuetas na entrega anual dos Oscar.

Cullinan fica nos bastidores do Dolby Theater, em Los Angeles, usando smoking, e vai tirando envelopes selados de uma pasta e entregando­os aos apresentad­ores quando eles vão para o palco.

A cerimônia dos Oscar é a única noite do ano em que a discreta PwC realmente brilha. O executivo-chefe da empresa fica sentado na plateia, com os astros e estrelas. Cullinan percorre o tapete vermelho, onde os jornalista­s frequentem­ente dizem que ele se parece com Matt Damon.

Ele disse a um cinegrafis­ta de TV que nunca fica nervoso. “Já fizemos isso algumas vezes”, ele comentou antes da cerimônia do domingo (26), “e fazemos uma preparação completa”.

Cullinan estava tão à vontade que, quando a cerimônia se aproximava do clímax, ele chegou a encontrar tempo para escrever tuítes sobre Emma Stone. OOPS! Numa gafe de proporções épicas cometida diante de 33 milhões de espectador­es —um erro que pode fazer sua empresa ser demitida como auditora da Academia de Artes e Ciências do Cinema, depois de 83 anos, e que roubou de “Moonlight”, um filme só com negros e com temática gay, o momento de festa ao qual tinha direito—, Cullinan levou o musical “La La Land” a ser identifica­do equivocada­mente como o melhor filme da 89ª edição da premiação.

O executivo-chefe da PwC assistiu à cena toda a partir da terceira fileira da plateia.

No momento de clímax, nos bastidores, enquanto os produtores exultantes de “La La Land” agradeciam às suas famílias, um membro da equipe gritou “Oh meu Deus! Ele pegou o envelope errado!”

“Ele” era Warren Beatty, que, juntamente com Faye Dunaway, apresentou o último prêmio da noite. Beatty abriu o envelope e, depois de hesitar, o entregou a Dunaway. Ela disse que “La La Land” era o vencedor. A plateia explodiu em aplausos, e a equipe do filme correu para o palco.

Por que foram precisos vários minutos para corrigir o erro? “A PwC soou o alarme, mas não de imediato”, disse em mensagem de texto o gerente de palco da transmissã­o da cerimônia, Gary Natoli.“Foi apenas logo antes de eu subir correndo para o palco que foi confirmado, por Brian e por Martha, que o vencedor era incorreto.”

Martha L. Ruiz, colega de Cullinan na PwC, ficava do outro lado do palco. Parece que eles tiveram que encontrar-se nos bastidores para checar o que havia acontecido antes de tomarem uma atitude.

Foi uma das inversões mais surpreende­ntes da história do Oscar, com erro humano somando-se à televisão ao vivo para criar um efeito poderoso e chocante.

Além disso, o equívoco esfriou a euforia de artistas e executivos de cinema que tinham passado anos trabalhand­o nos dois filmes.

Para a Academia, criticada no ano passado por não ter indicado nenhum ator de minoria étnica a um prêmio pelo segundo ano consecutiv­o, foi uma oportunida­de perdida: em vez de “Moonlight” ser saudado da maneira merecida, o que se viu foi uma cena de confusão, descrença e espanto transmitid­a ao vivo.

Nos bastidores, Michael de Luca e Jennifer Todd, os pro- dutores da transmissã­o, estavam sentados diante de seus monitores com uma Coca diet nas mãos.

Pensavam que a cerimônia estivesse quase no fim. Mas a cena rapidament­e ficou caótica, quando se descobriu que o ganhador do Oscar de melhor filme era, na realidade, “Moonlight”, um drama sobre a aceitação da homossexua­lidade por um jovem negro.

“Eu estava segurando o envelope e a estatueta, tinha acabado de fazer meu discurso. Havia pessoas sobre o palco com fones de ouvido, e pensei ‘isso não parece certo’”, contou Jordan Horowitz, um dos produtores de “La La Land”.

Exatamente o que aconteceu nos momentos que antecedera­m o anúncio equivocado ainda estava sendo determinad­o na segunda-feira (27), mas algumas peças da história começaram a se encaixar.

Cullinan, possivelme­nte distraído por seu feed no Twitter, entregou a Warren Beatty um envelope contendo o nome da ganhadora do Oscar de melhor atriz, prêmio que já tinha sido entregue a Emma Stone, de “La La Land”.

Nos sete humilhante­s minutos seguintes, Faye Dunaway anunciou o vencedor errado de melhor filme, a plateia de celebridad­es ficou atônita e o que se viu sobre o palco foi uma confusão, com os produtores de “La La Land” gentilment­e abrindo espaço para a equipe de “Moonlight”.

“Não recebi nenhuma explicação formal”, disse na tarde de segunda Marc Platt, outro membro da equipe de produção de “La La Land”. “Pode ter havido decepção no momento, decepção tremenda, mas a boa notícia é que estou sentindo a união em nossa comunidade hoje. ‘Moonlight’ ganhou o prêmio de melhor filme. Mas muitas vozes em muitos tipos de filmes diferentes foram reconhecid­as.”

Uma representa­nte da Academia disse que a instituiçã­o abriu uma revisão do processo nos bastidores e vai avaliar se leva adiante sua associação com a empresa de auditoria, que não se limita ao controle dos votos do Oscar.

“Li o cartão que estava no envelope”, disse Beatty a repórteres a caminho de uma festa após a cerimônia. “Pensei ‘isto é muito estranho, porque o cartão diz ‘melhor atriz’. Achei que fosse algum erro de impressão. E é só isso que tenho a dizer sobre o assunto.” Faye Dunaway não deu declaraçõe­s.

A PwC expressou remorso. “Aceitamos a responsabi­lidade pelo erro”, disse Tim Ryan, o presidente da PwC nos EUA. “Já me comuniquei com a Academia. Pedi desculpas pessoalmen­te e em nome da empresa. Comecei a discutir com eles coisas que podemos fazer para reparar o erro.”

A firma não apresentou Cullinan, mas disse mais tarde que, depois que ele por engano entregou o envelope errado, “os protocolos para corrigir o erro não foram seguidos com rapidez suficiente por Cullinan e sua parceira.”

Foi Gary Natoli, o gerente de palco, quem abordou Horowitz, o produtor de “La La Land”, e viu que o envelope que ele tinha nas mãos era o envelope extra anunciando a vitória de Emma Stone. “Os sujeitos com fones de ouvido estavam andando por lá procurando urgentemen­te o outro envelope”, contou Horowitz. “Um deles o abriu, e dizia ‘Moonlight’. Levei o papel para o palco, fui ao microfone e disse o que eu disse.”

Horowitz reagiu prontament­e. “Cars, sinto muito, não”, ele disse no palco. “Houve um engano. ‘Moonlight’, foram vocês que ganharam melhor filme.”

Aqueles minutos finais não foram menos estarreced­ores para os criadores e atores de “Moonlight”.

“Olhamos uns para os outros e dissemos ‘isto é uma brincadeir­a?’ contou o ator André Holland. “Ficamos à espera, olhando. Não queríamos fazer a festa até saber se era ou não brincadeir­a, saber se era verdade.”

CLARA ALLAIN.

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Lucy Nicholson/Reuters Martha Ruiz olha para Brian Cullinan, da PwC, enquanto o gerente da transmissã­o, Gary Natoli, aborda Warren Beatty
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Chris Pizzello/Invision/Associated Press O cartão correto, que mostrava ‘Moonlight’ como vencedor

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