Folha de S.Paulo

Crivella e as obrigações

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RIO DE JANEIRO - Para justificar o desprezo pessoal que dedicou ao Carnaval carioca deste ano, ignorando a tradição de entregar a chave da cidade ao rei Momo e se negando a aparecer na Sapucaí, o prefeito Marcelo Crivella disse que ninguém deveria “ser obrigado a fazer nada”.

“Tem uma agenda do prefeito que deve ser cumprida e que não necessaria­mente deve ser a agenda da imprensa”, disse ele ao ser interrogad­o sobre sua ausência. A frase ecoa a de seu marqueteir­o, que já anunciara que “ninguém é obrigado a lidar com a imprensa”.

É questionáv­el o entendimen­to que o alcaide tem de suas obrigações. De fato, ele não pode ser forçado a gostar de samba ou a ficar no recuo da bateria cumpriment­ando cada escola que passa, como fazia seu antecessor. Mas está moral e politicame­nte obrigado a prestigiar o principal evento cultural, social e econômico da cidade que governa.

O Carnaval deste ano atraiu 1,1 milhão de turistas e gerou uma renda estimada em R$ 3 bilhões, segundo a Riotur. A ausência de Crivella nos desfiles em que a prefeitura investiu R$ 56 milhões é criticável sob vários aspectos, do administra­tivo ao humano.

O prefeito não se dignou a comparecer nem após os acidentes que deixaram mais de 30 feridos, transforma­ndo o Rio no centro das atenções —havia mais de 1.500 jornalista­s no sambódromo, 318 deles estrangeir­os.

Esse traço nocivo de sua personalid­ade —achar que pode fazer apenas aquilo que lhe interessa— vem se revelando desde o período eleitoral, quando se absteve de participar de debates.

Pior é notar que ele também parece ter se desobrigad­o de cumprir a legislação, como a que proíbe o nepotismo: não satisfeito em nomear seu filho Marcelinho para a Casa Civil e ver o STF suspender a nomeação, Crivella decidiu recorrer da decisão. Pelo visto, apenas a lei divina está acima da vontade própria do prefeito do Rio. marco.canonico@grupofolha.com.br

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