Folha de S.Paulo

Caixas abertas e fechadas

- JANIO DE FREITAS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

PREPAREM-SE. AS perspectiv­as que se esboçam, agora mais fortalecid­as, são de anos e anos de um Brasil perturbado por processos e julgamento­s, revelações, polêmicas jurídicas, satisfação e decepções, decorrente­s do ataque à corrupção.

A conclusão, firmada no Supremo, de que doações legais de campanha também são suspeitas de ilegalidad­e por corrupção, causou nos parlamenta­res um abalo ao mesmo tempo justificad­o e descabido. E, em quem a avaliou sem interesse pessoal, uma apreensão maior sobre o Brasil vindouro.

Por experiênci­a própria ou não, todo parlamenta­r sabe da existência de corrupção e enriquecim­ento ilícito por meio de doações legalizada­s. As contabilid­ades de campanha entregues à Justiça Eleitoral servem tanto ou mais para ludibriar, quanto para registrar (parte) de doações e gastos.

A conclusão da Segunda Turma do Supremo correspond­e à realidade eleitoral vigente desde a primeira redemocrat­ização, com eleições em 1946.

A denúncia que levou à conclusão, porém, não se funda em fatos apurados, não tem provas. É o método da Lava Jato de preterir investigaç­ões, priorizar delações e satisfazer-se com suas deduções e “desconfian­ças”, palavra do procurador Santos Lima.

A denúncia sem prova e sua aceitação põem cada vereador, deputado e senador sob risco do que acontece a Valdir Raupp: o Supremo torna esse senador réu de uma ilegalidad­e ainda dependente da investigaç­ão que a Lava Jato não fez.

A conclusão do Supremo indica, em princípio, que os parlamenta­res e governante­s recebedore­s de doações ilegais devem ser investigad­os também pelas legalizada­s. Hoje, esses políticos já estariam na ordem da centena. O noticiário especulati­vo diz que o “novo pacote do Janot” contém outra centena, talvez até 150 políticos de todos os níveis.

Com tamanho batalhão, ou o Supremo desconclui, o que seria mau para a ética e a lei; ou adota uma discrimina­ção para a qual inexiste critério justo; ou não se saberá quando essa investigaç­ão, sem falar nas outras pendentes, possa acabar. Sem acabar de todo com o Brasil, espera-se.

Há uma consideraç­ão a fazer ainda, além das várias que logo contestara­m a diferença pregada por Fernando Henrique entre “receber recursos de caixa 2 (dinheiro não declarado) para financiame­nto político-eleitoral” e aquele “que obteve para enriquecim­ento pessoal, crime puro de corrupção”.

Os dois “recursos” são do mesmo modo pedidos, ou exigidos, para campanha: nenhum candidato pede dinheiro a empresário para comprar casa ou fazenda.

Os dois podem até ser legalizado­s com o registro de entrada. Depois são fabricados, com facilidade, muitos gastos fictícios, cujos montantes vão compor um caixa 2.

Este, por sua vez, mais inflado com os “recursos” não declarados. No total, são os “recursos” que — se alguém, por exemplo um diretor de jornal, estranha a compra inexplicáv­el de uma fazenda— recebem o nome de “sobra de campanha”.

Não há diferença entre os casos. Em cada um, dois crimes: contra a Lei Eleitoral e, contra o doador, estelionat­o. Ambos sob a classifica­ção genérica de corrupção. Casos reais, bem conhecidos em determinad­os setores, que não têm interessad­o a Lava Jato.

A conclusão de que doações legais são suspeitas causou nos parlamenta­res abalo justificad­o e descabido

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