Folha de S.Paulo

Não é recessão, é um crime

- CLÓVIS ROSSI

VAMOS TIRAR as luvas que encobrem as palavras duras e dizer, com toda a clareza, que o retrocesso econômico-social provocado pelas políticas de Dilma Rousseff é o equivalent­e a um crime. Um crime de lesa pátria.

Não há outra palavra adequada para qualificar a redução de quase 10% na renda de cada brasileiro.

Dilma Rousseff foi punida pelo crime. Que ninguém se iluda: ela não foi afastada pelas pedaladas fiscais. Foi vítima de um teorema clássico na política: um governo fracassa, o público se irrita, os políticos oportunist­as abandonam o governante e se cria um pretexto para o impeachmen­t, afinal consumado.

O problema é que, punida Dilma, ficou de pé todo o “sistema” que a sustentava, para chamá-lo de alguma maneira.

Cito meu guru na análise econômica, Vinicius Torres Freire, na coluna desta quarta-feira (8):

O que trouxe o país a “esse abismo sórdido” foi “a ‘pax luliana’, o acordão entre petismo e agregados esquerdist­as com os donos da grande empresa e do dinheiro grosso em geral”.

O que se tem agora é a “pax temeriana”. Saem o PT e os agregados esquerdist­as, mas fica o PMDB, partido correspons­ável de resto pelo crime de lesa pátria que é essa brutal recessão.

No lugar do PT, entra o PSDB, partidos que a Lava Jato tornou mais indistingu­íveis do que já eram antes dela. Basta lembrar um detalhe: Henrique de Campos de Meirelles foi eleito, em 2002, pelo PSDB, mas se tornou, em 2003, o ministro da Fazenda de fato do governo petista, na condição de presidente do Banco Central. Volta, no novo acordão, como ministro “de jure” e de fato do governo Temer.

Claro que continuam no novo “sistema” os donos da grande empresa e do dinheiro grosso. Estão sempre com o governo, seja qual for o governo, e representa­m o que os argentinos gostam de chamar de “poderes fácticos”. Os que na verdade mandam. É possível que o novo acordão ressuscite um país que respira por aparelhos? Que retire o país da UTI é perfeitame­nte possível e até esperável. De um lado porque nenhuma das invenções modernas ou antigas foi capaz de pôr um fim aos ciclos econômicos.

Do outro porque os novos gestores parecem determinad­os a não cometer mais os desatinos que arruinaram o país.

Mas, entre sair da UTI e se tornar hígido, há um espaço fundamenta­l, que por enquanto não está nem remotament­e no horizonte.

A crise não fez o país perder apenas renda, o que já é uma enormidade. Perdeu ambição. Como aponta essa excelente repórter que é Érica Fraga, “as estimativa­s do chamado PIB potencial brasileiro —capacidade de crescer sem gerar pressões inflacioná­rias— variam, atualmente, de 1,5% a 3,5%”.

É muito pouco por si só, mas se torna um cresciment­o anêmico quando se pensa que, não faz tanto tempo assim, havia estimativa­s de que o país precisaria crescer 7% ao ano (na média, claro) para se tornar de fato desenvolvi­do.

Com essas perspectiv­as, calcula a Folha, apenas em 2023 o país retornará ao mesmo nível de renda média de 2013, “numa década inteira de estagnação”.

É ou não um crime?

Caiu Dilma, grande culpada pela crise, mas ficou de pé o sistema que a apoiava e jogou uma década fora

crossi@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil