Trem desgovernado
OS NÚMEROS de 2016 recém-divulgados pelo IBGE confirmaram o colapso vivido pela economia brasileira desde o início da maior crise econômica da qual já tivemos notícia —ou estatística. Desde 2014, a queda acumulada do PIB já chega a 7,2% em níveis absolutos e a 9,1% em termos per capita.
Se confirmadas as projeções apresentadas pelo governo no Conselhão, o país demoraria até 2024 para retornar ao nível de renda per capita de 2013. No retrovisor, a população vê se afastarem os dias melhores.
O ritmo de contração da economia, que diminuiu entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2016, parece ter acelerado desde o fim do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Ao contrário do prometido, a troca de liderança não foi suficiente para o retorno à estabilidade e a retomada dos investimentos. Entre os mais otimistas, restaram apenas os que defendem que a aprovação da PEC do “teto de gastos” e da reforma da Previdência se encarregará de colocar o país novamente na rota do crescimento robusto, pois abriria espaço para a redução dos juros e a volta da confiança.
Entre os mais pessimistas, estão os que, como eu, acreditam que, em um contexto de capacidade ociosa da indústria, desemprego elevado e alto endividamento privado, as contrações sucessivas nos investimentos públicos continuarão impedindo uma retomada substantiva dos investimentos privados e do consumo das famílias nos próximos anos. Dado o baixo patamar em que a economia se encontra, as medidas anunciadas pelo governo até aqui podem, no máximo, substituir recessão por estagnação.
As previsões distintas sobre o futuro refletem diagnósticos também distintos sobre as causas da crise. Enquanto, para muitos analistas, a crise é explicada pela gastança desenfreada, para alguns de nós, a deterioração nas contas públicas desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff é sobretudo fruto de uma queda na arrecadação —pelas custosas desonerações concedidas e pelo baixo crescimento. Na segunda hipótese, o corte de gastos e investimentos públicos implementado desde 2015 lançou gasolina ao fogo.
Como mostrou Vinicius Torres Freire em coluna nesta Folha (folha.com/no1859523), quase não há registro histórico de uma crise dessa magnitude em um país com tamanho, instituições e renda per capita minimamente comparáveis aos nossos. Sobretudo fora de um contexto de crise financeira.
Em 2015, a Rússia foi o único outro país entre os 46 que constam da base de dados da OCDE a passar por uma recessão. Ainda assim, mesmo sofrendo sanções econômicas de Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá pelo conflito na Ucrânia, a queda acumulada foi de cerca de 4% no biênio 20152016 e parece já ter chegado ao fim.
No Brasil, nem a crise da dívida da década de 1980 nem o confisco da poupança em meio à hiperinflação tiveram efeitos recessivos tão profundos ou duradouros. A economia mexicana caiu menos de 4% quando declarou a moratória da dívida em 1982. Atribuir todo o colapso atual a uma irresponsabilidade com as contas públicas ou ao descontrole de preços parece pouco plausível.
Mas o ajuste fiscal tampouco explica o tamanho do buraco em que nos metemos. As repercussões da Operação Lava Jato, as aberrações do nosso sistema político e o troca-troca de ministros pelos piores motivos, por exemplo, têm de ser levados em conta. O governo Temer não parece mesmo ter vindo para assegurar a estabilidade política, superar o caos institucional ou colocar o “país nos trilhos”. LAURA CARVALHO,
O governo Temer não parece mesmo ter vindo para superar o caos institucional ou pôr o ‘país nos trilhos’