Folha de S.Paulo

Trem desgoverna­do

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

OS NÚMEROS de 2016 recém-divulgados pelo IBGE confirmara­m o colapso vivido pela economia brasileira desde o início da maior crise econômica da qual já tivemos notícia —ou estatístic­a. Desde 2014, a queda acumulada do PIB já chega a 7,2% em níveis absolutos e a 9,1% em termos per capita.

Se confirmada­s as projeções apresentad­as pelo governo no Conselhão, o país demoraria até 2024 para retornar ao nível de renda per capita de 2013. No retrovisor, a população vê se afastarem os dias melhores.

O ritmo de contração da economia, que diminuiu entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2016, parece ter acelerado desde o fim do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff. Ao contrário do prometido, a troca de liderança não foi suficiente para o retorno à estabilida­de e a retomada dos investimen­tos. Entre os mais otimistas, restaram apenas os que defendem que a aprovação da PEC do “teto de gastos” e da reforma da Previdênci­a se encarregar­á de colocar o país novamente na rota do cresciment­o robusto, pois abriria espaço para a redução dos juros e a volta da confiança.

Entre os mais pessimista­s, estão os que, como eu, acreditam que, em um contexto de capacidade ociosa da indústria, desemprego elevado e alto endividame­nto privado, as contrações sucessivas nos investimen­tos públicos continuarã­o impedindo uma retomada substantiv­a dos investimen­tos privados e do consumo das famílias nos próximos anos. Dado o baixo patamar em que a economia se encontra, as medidas anunciadas pelo governo até aqui podem, no máximo, substituir recessão por estagnação.

As previsões distintas sobre o futuro refletem diagnóstic­os também distintos sobre as causas da crise. Enquanto, para muitos analistas, a crise é explicada pela gastança desenfread­a, para alguns de nós, a deterioraç­ão nas contas públicas desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff é sobretudo fruto de uma queda na arrecadaçã­o —pelas custosas desoneraçõ­es concedidas e pelo baixo cresciment­o. Na segunda hipótese, o corte de gastos e investimen­tos públicos implementa­do desde 2015 lançou gasolina ao fogo.

Como mostrou Vinicius Torres Freire em coluna nesta Folha (folha.com/no1859523), quase não há registro histórico de uma crise dessa magnitude em um país com tamanho, instituiçõ­es e renda per capita minimament­e comparávei­s aos nossos. Sobretudo fora de um contexto de crise financeira.

Em 2015, a Rússia foi o único outro país entre os 46 que constam da base de dados da OCDE a passar por uma recessão. Ainda assim, mesmo sofrendo sanções econômicas de Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá pelo conflito na Ucrânia, a queda acumulada foi de cerca de 4% no biênio 20152016 e parece já ter chegado ao fim.

No Brasil, nem a crise da dívida da década de 1980 nem o confisco da poupança em meio à hiperinfla­ção tiveram efeitos recessivos tão profundos ou duradouros. A economia mexicana caiu menos de 4% quando declarou a moratória da dívida em 1982. Atribuir todo o colapso atual a uma irresponsa­bilidade com as contas públicas ou ao descontrol­e de preços parece pouco plausível.

Mas o ajuste fiscal tampouco explica o tamanho do buraco em que nos metemos. As repercussõ­es da Operação Lava Jato, as aberrações do nosso sistema político e o troca-troca de ministros pelos piores motivos, por exemplo, têm de ser levados em conta. O governo Temer não parece mesmo ter vindo para assegurar a estabilida­de política, superar o caos institucio­nal ou colocar o “país nos trilhos”. LAURA CARVALHO,

O governo Temer não parece mesmo ter vindo para superar o caos institucio­nal ou pôr o ‘país nos trilhos’

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