Folha de S.Paulo

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Após perder a visão em acidente de trabalho, rapaz aprendeu a fotografar utilizando audição e tato e agora afirma não querer nem enxergar de novo

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ísta, pensando apenas na minha dor. Não estava pensando na dor da minha família, dos amigos. Aquilo me fez voltar à realidade. Acabei percebendo que a vida tinha outras oportunida­des. RETOMADA Hoje, se alguém perguntass­e se eu queria enxergar de novo, eu responderi­a que não. Sou feliz do jeito que sou. Sou casado e tenho uma filha de cinco anos, a Vitória. Descobri a felicidade com a minha deficiênci­a.

Busquei a reabilitaç­ão e aprendi braille em oito meses, aprendi a me locomover e aprendi a desenhar.

Há uns quatro anos, a professora da Associação dos Deficiente­s Visuais de Canoas (Adevic) me lançou um desafio: a fotografia. “Um cego fotografan­do?”, perguntei.

“Tu tem (sic) os outros sentidos”, ela incentivou. Comprei uma máquina simples e ela foi me dando dicas. O SOM E O TATO Sou apaixonado por fotografar aquilo que não posso ver e já fiz diversas exposições. Se escuto determinad­o barulho, sei que ali tem uma árvore. Se escuto um passarinho cantando, se ouço uma pessoa falando, mais ou menos defino a distância e a altura.

Para fotografar o mar, também me guio pelo som. Quando as ondas se formam, elas têm um barulho; quando quebram, têm outro som. Existe um espaço de tempo que tu tem (sic) que clicar, isso que é legal.

A busca por esse espaço de tempo, por aquele pôr do sol que tu vai (sic) sentindo o calor diminuindo e daí vai batendo a foto.

Uso vários sentidos, como o tato e a audição. Só não tenho a visão, que é o sentido mais usado na fotografia. Mas aí é que está o barato: as pessoas enxergam o mundo muito visual e esquecem da essência.

Também faço palestras motivacion­ais. Meu sonho é ter um equipament­o profission­al, porque quero filmar um documentár­io sobre pessoas com deficiênci­a e conscienti­zar sobre a acessibili­dade. Não basta acesso arquitetôn­ico, é preciso acesso humano.

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Fotos Valdir da Silva Sombra do fotógrafo Valdir da Silva, 41, que ficou cego aos 24 anos
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Imagens produzidas por Valdir após ele perder a visão em um acidente de trabalho; ele faz fotos há cerca de 4 anos
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Reprodução OAB
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