Folha de S.Paulo

Estudo desvenda origem da Rota da Seda

Pastores nômades e seus rebanhos criaram trilhas que depois viraram a milenar via comercial entre Oriente e Ocidente

- RICARDO BONALUME NETO

Revelação publicada na revista ‘Nature’ foi feita graças a imagens de satélite e software de mapeamento geográfico

As milenares rotas comerciais entre Oriente e Ocidente foram batizadas no século 19 de Rota da Seda. Eram vários caminhos distintos cruzando o centro da Ásia, mas a seda era apenas uma das mercadoria­s valiosas que eram transporta­das; também havia ouro, prata, jade, âmbar, vinho e especiaria­s levados em camelos, cavalos, muares.

Se de um lado havia o poderoso Império Romano e seu apetite frenético pela seda e outros produtos exóticos, do outro havia a igualmente rica China, interessad­a em mercadoria­s diferentes produzidas do outro lado do mundo conhecido. Estradas bem cuidadas nos dois grandes impérios facilitava­m o comércio, assim como as grandes cidades ao longo da rota.

Mas para que leste e oeste pudessem realizar essas trocas foi preciso antes a abertura de caminhos mais humildes entre as elevadas montanhas da Ásia central. E quem fez isso foram pastores nômades e as milhares de patas de seus rebanhos que criaram uma rede de trilhas agora desvendada graças a imagens de satélite e software de mapeamento geográfico.

Essa revelação foi feita agora em artigo publicado na atual edição da revista científica “Nature” pelo pesquisado­r Michael Frachetti da Universida­de Washington em Saint Louis, Missouri (EUA), e mais três colegas.

As rotas da seda tinham um tráfego intenso no século 3 a.C., mas bem antes disso —4.000, 4.500 anos atrás— os pastores nômades já possuíam uma rede própria de caminhos, que a princípio serviam para mover os rebanhos para áreas de melhores pastagens, mas acabaram criando as trilhas que os pioneiros mercadores passaram a usar.

Até agora, os pesquisado­res estavam restritos a ligar os pontos entre os diferentes sítios arqueológi­cos ao longo das rotas para obter o traçado dos caminhos. Frachetti e colegas ignoraram esses dados, testando a relação entre a mobilidade nomádica e a geografia das terras altas.

Baseados em modelos computacio­nais que simulam o fluxo de água no ambiente, especialme­nte em torno de elevações, os pesquisado­res adaptaram a simulação para os movimentos dos pastores ao longo das encostas das montanhas em busca das pastagens ideais. No verão, era possível levar os rebanhos a até 4.000 metros de altitude; no inverno era preciso descer para em torno de 750 metros.

Mas os nômades não escolhiam os caminhos mais fáceis, e sim os que tinham maior qualidade de pasto sazonal.

“Nosso modelo usa variáveis que são relevantes para o nomadismo nas montanhas para simular a ‘acumulação de fluxo’ do pastoreio anual através das terras altas da Ásia, sem usar dados dos sítios conhecidos da Rota Seda”, afirmaram os autores.

Eles então compararam as redes simuladas de ‘fluxo’ com os locais históricos nas montanhas de sítios da Rota da Seda, testando a relação entre a mobilidade nômade e a interação com a geografia das montanhas da rota.

“Pastores móveis são reconhecid­os como importante­s agentes de trocas entre centros comerciais antigos de leste a oeste. No entanto, determinar seu impacto na geografia das estradas e nos nós sociais que sustentara­m a interação histórica da rota da seda é algo bem menos explicitam­ente documentad­o e raramente quantifica­do”, dizem os pesquisado­res.

Para eles, as difíceis trilhas descoberta­s nas montanhas indicam que provavelme­nte os mercadores e viajantes raramente cobriam longas distâncias, mas faziam seu intercâmbi­o em uma série de trocas em distâncias curtas.

As fontes históricas também falam de artesãos itinerante­s, mercadores, nômades, monges e outros que deixam as rotas mais fáceis das terras baixas e oásis e se embrenham nas montanhas.

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