Folha de S.Paulo

A cara do Brasil

- JUCA KFOURI COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

GRANDE AMIGO, apaixonado por política e por futebol e, como só se diz no Brasil, irritantem­ente honesto, conta ouvir de seu analista que ele sofre de “masoquismo patológico”. Só pode. Porque não há nada mais parecido com o Brasil que o futebol brasileiro, ou, por outra, nada mais parecido com o futebol brasileiro que o Brasil.

Deixemos pra lá o Marco Polo que não viaja e seus antecessor­es.

Lembremos, de novo, dos acontecime­ntos recentes no Palmeiras, e dos no Corinthian­s, em 2005.

Então, dizia-se: “Não importa a origem do dinheiro da MSI desde que venha via Banco Central”. Assim é no futebol e na política. Se o dinheiro vem de tráfico de drogas, de armas, de porca agiotagem, de doleiro, de lavagem, danese, importa aparentar ser decente.

Há até quem distinga o dinheiro de caixa 2 para se eleger do para enriquecer nas campanhas, como se fossem dinheiros diferentes e como se quem usa para um fim não use para o outro.

Do mesmo modo os petistas, em vez de ajoelhar no milho e pedir desculpas ao país por terem se lambuzado, dizem ter agido como os demais partidos, como se isso os inocentass­e.

O caso do Corinthian­s acabou na morte, aparenteme­nte por envenename­nto, do chefão russo Boris Abramovich Berezovsky em seu luxuoso apartament­o em Londres.

Mas o dinheiro dele entrava pelo Banco Central para comprar Carlitos Tévez, Nilmar, Mascherano e sabe deus quem mais.

Era, do enviesado ponto de vista em voga, “legal”.

Na segunda-feira passada vimos espetáculo deprimente para validar a eleição como conselheir­a do clube da patrocinad­ora do Palmeiras, Leila Pereira, sem ter tempo suficiente como sócia para tanto.

Simplesmen­te se fez tabula rasa do estatuto porque, segundo o discurso de um dos majoritári­os conselheir­os subservien­tes ao dinheiro da Crefisa, “não é hora para melindres legais diante do tamanho do patrocínio”.

No Corinthian­s o dinheiro era sujo, mas “legal”. No Palmeiras o dinheiro é visto como limpo, mas compra uma ilegalidad­e.

Deixemos claro na suruba brasileira (perdão rara leitora e raro leitor, mas o termo é de um membro da quadrilha nacional), porque há quem não entenda: não se discute a legitimida­de da pretensão da patrocinad­ora palmeirens­e em vir a presidir o clube.

Só aponta-se para o fato de o estatuto alviverde não permitir sua candidatur­a, objeção nem sequer mencionada na votação legitimado­ra.

Simples assim, embora precise ser desenhado num país em que traficante se vicia, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e pobre é de direita, como dizia Tim Maia. E jornalista faz merchan. É mesmo a cara do Brasil. Os tucanos chamam de petralhas quem vê o atual governo pior que o anterior. Os petistas chamam de coxinhas quem acha o inverso.

Os corintiano­s chamavam de “anti” os críticos da MSI, da Arena Corinthian­s e da promiscuid­ade com o governo.

Os palmeirens­es chamam de invejosos quem mostra a indecência em curso no clube.

Porque é tudo por dinheiro e, se é assim, fica uma sugestão, sem ironia, sem segundas intenções e melhor que a achada pelo eleitorado dos Estados Unidos: Silvio Santos para presidente!

Cartolas, conselheir­os e torcedores agem como os governante­s, políticos e eleitores. Por dinheiro

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