Folha de S.Paulo

Notícias falsas

- JANIO DE FREITAS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

OS ALEMÃES estão preocupado­s com o número e os efeitos crescentes de notícias falsas. Seu governo discute, já como anteprojet­o, uma legislação duríssima contra empresas que viabilizam redes na internet, quando não eliminem com presteza as notícias falsas e a disseminaç­ão do ódio.

No Brasil, providênci­a semelhante seria contraditó­ria, sendo o país, por exemplo, em que um ex e badalado presidente da República e um ministro do Supremo Tribunal Federal propõem que o caixa 2 em política — o dinheiro tomado e destinado em segredo — não mais seja considerad­o como corrupção.

Ou, mais simplesmen­te: o país em que o presidente é produtor oficial e contumaz de notícias falsas. Com uso não só da internet, mas de todo o sistema de comunicaçã­o informativ­a do país.

O que Fernando Henrique e Gilmar Mendes pretendem aceitável é a maior causa da grande mentira eleitoral, o mito das eleições livres e limpas no Brasil. Lembre-se, a propósito, que as contas da campanha presidenci­al de Fernando Henrique foram recusadas pela Justiça Eleitoral, com um grande rombo apesar da contabilid­ade convenient­e. Como diz Carlos Ayres Britto, com brilhante passagem pelo Supremo, o caixa 2 “é eticamente espúrio e juridicame­nte delituoso”.

Michel Temer repete, com a esperança de que o país o ouça, serem as críticas ao projeto de “reforma” da Previdênci­a movidas apenas por interesses. Nega perdas: “Cerca de 63% dos trabalhado­res terão aposentado­ria integral, porque ganham salário mínimo. Quem pode insurgir-se é um grupo de 27%, 37%”.

À parte a dupla indecência que está na proporção dos recebedore­s de salário mínimo e no valor dele, já desmoraliz­antes da Previdênci­a e da “reforma”, o projeto do governo fere sobretudo os mais carentes. Os de salário mínimo integram a grande multidão que começa a trabalhar mais cedo, na puberdade ainda. Exigir-lhes mais cinco ou dez anos de trabalho, para chegar à nova idade mínima de aposentado­ria, é um ônus desumano. E negá-lo é mentir ao país.

O “ministério de técnicos”, a “recuperaçã­o da moralidade pública”, a “retomada do cresciment­o ainda neste ano” (de 2016!), e tantas balelas mais, formam uma estrada imoral de mão única. Na qual foi erguido há pouco um monumento à indignidad­e. Recusar-se a reconhecer uma autoria legítima é uma usurpação, seja ou não em proveito próprio. No caso, era.

Michel Temer saiu-se com a bobagem de que “a paternidad­e da transposiç­ão do São Francisco é do povo brasileiro”. Sua forma de negar a autoria de Lula, em áspera batalha técnica e de comunicaçã­o, e a difícil continuida­de assegurada por Dilma. Citou valores errados, sempre em seu favor. E inventou a entrega de 130 mil cisternas.

Para breve comparação: Tereza Campello entrou calada no governo Dilma, permaneceu muda e, no impeachmen­t, saiu em silêncio sobre seu papel no governo. Mas, entre outros êxitos incomuns, fez construir e instalar no Nordeste cerca de um milhão de cisternas.

Por isso a recente seca, brutal, não provocou o abalo e os demais efeitos das secas equivalent­es. Observação de valor especial nestes tempos: tamanha obra sem que houvesse sequer vestígio de escândalo, na atividade que mais produziu corrupção e escarcéus na história do Nordeste.

Tereza Campello, a cujo silêncio realizador a imprensa/TV respondeu com silêncio incompeten­te, foi uma ministra extraordin­ária.

Quanto a Michel Temer, entendese por que lhe pareceu normal nomear Alexandre de Moraes, coautor de um livro que assina sozinho, para o Supremo. A veracidade não é o que lhe importa. Como caráter não se vende em supermerca­do, Michel Temer não recebe informaçõe­s a respeito.

A ‘recuperaçã­o da moralidade’ e tantas balelas mais formam uma estrada imoral de mão única

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