Folha de S.Paulo

CRÍTICA Musical à moda antiga falha nos efeitos especiais da Fera

Escalação da atriz Emma Watson confere carga feminista à personagem Bela

- RICARDO CALIL

FOLHA

Como estratégia de negócio, um remake com atores de “A Bela e a Fera” —animação da Disney de 1991— pode parecer uma operação sem riscos. Afinal, na linguagem do marketing, trata-se da repaginaçã­o de um produto de sucesso, com forte apelo junto ao consumidor.

Mas, em termos artísticos, as coisas não são tão simples. Havia uma série de desafios no projeto de transforma­r a animação —que, com seu quarto de século, já pode ser chamada de clássica— em filme de live action, com atores.

O primeiro era a comparação com o original. Não poderia ser nem muito distante, nem mera cópia daquele produto querido pelo público.

O diretor Bill Condon saiuse dessa encruzilha­da com elegância. Por um lado, valendo-se da experiênci­a como roteirista de “Chicago” (2002) e diretor de “Dreamgirls” (2006), ele entregou um musical à moda antiga.

Para fãs nostálgico­s do gênero, há cenários grandiosos, figurinos suntuosos e a bela trilha sonora com números originais e novos, em parceria de Alan Menken e Tim Rice.

Por outro lado, Condon deu, nas entrelinha­s, piscadelas a questões da contempora­neidade. Há insinuação de que um coadjuvant­e —Le Fou, ajudante do vilão Gaston— seja gay. E há reforço no empoderame­nto feminino da protagonis­ta Bela (Emma Watson).

Na escala das convenções femininas das heroínas Disney, ela aparecia em posição intermediá­ria, alguém que recusa um casamento por conveniênc­ia, mas se apaixona pelo príncipe encantado (ainda que na forma de ogro). Nem Branca de Neve, nem Moana.

Bela não ressurge como heroína feminista, mas avança nessa régua como uma mulher mais assertiva e autônoma.

Nesse sentido, a escalação de Watson é perfeita: o feminismo que marca sua persona pública é transferid­o em parte, como carga simbólica, ao personagem. Além do desafio artístico da adaptação, havia outro de ordem tecnológic­a.

Como preservar o universo fantástico —um homem que se torna fera, objetos inanimados que ganham vida— dentro da proposta de live action (portanto, de natureza mais realista que a animação)?

Condon acerta nos detalhes: o candelabro, o relógio, a xícara, o guarda-roupa que se portam como humanos são perfeitame­nte “críveis”.

Mas o diretor se atrapalha no essencial: sua Fera (Dan Steves) nunca deixa de parecer o resultado de efeitos especiais, não de um feitiço —o que rouba parte do encanto.

É mais difícil se envolver com a história de amor entre mulher e monstro se não esquecemos que ele é uma imagem criada no computador.

Setenta anos atrás, em sua versão de “A Bela e a Fera”, o francês Jean Cocteau apresentou um monstro não apenas mais poético, mas também mais convincent­e. O que nos faz lembrar de que é o talento, não a tecnologia, que torna o cinema fantástico. (BEAUTY AND THE BEAST) DIREÇÃO Bill Condon PRODUÇÃO EUA, 2016, 10 anos AVALIAÇÃO bom

INVENTORA

A nova Bela já surge mostrando que filha de peixe, peixinha é. Ela agora segue os passos do pai, um inventor, e cria uma máquina de lavar

LEITORA

Contumaz leitora no desenho original, Bela agora é mais específica. Seu livro preferido é “Romeu e Julieta”, de Shakespear­e. Em vez de carregar o tomo numa

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