CRÍTICA Diretora rejeita discurso pronto sobre sem-teto
‘Era o Hotel Cambridge’, de Eliane Caffé, capta com êxito a provisoriedade de vidas em condições precárias em SP
FOLHA
Dar visibilidade a quem não possui. Esse é o menor dos desafios assumido por “Era o Hotel Cambridge”, quarto longa de Eliane Caffé.
Outra grande dificuldade para o filme será encontrar plateia desarmada, que não o recebaapedradassemnemsequer assisti-lo. Afinal, qual classe média no país hoje estaria disposta a se intimidar comproblemasdepessoasque o uso de termos como “invasores” condena de antemão?
Ao contrário, “Era o Hotel Cambridge” aproxima-se do universo dos sem-teto com atençãoesemdiscursopronto.
A primeira estratégia, eficaz, é inserir atores profissionais numa situação concreta de ocupação, criando efeito de proximidade por meio das faces reconhecíveis de Suely Franco e José Dumont.
Ambos circulam entre não atores, provocam instantes em que a dramaturgia alcança níveis surpreendentes de espontaneidadee,nemporisso, precisam roubar a cena.
Não se trata somente de provocar empatia ao mostrar atores em papeis de personagens marginalizados, mas de usar a presença deles para suspenderafronteiraentrefato e ficção, enfatizar o caráter corriqueiro das cenas sem esconder que boa parte do efeito alcançado ali vem da presença da câmera e da equipe.
Outra estratégia provoca efeitos mais consistentes. Trata-se de incluir refugiados de origens bastante distintas no grupo de sem-teto que ocupa o espaço que um dia foi o Hotel Cambridge, no centro de SP.
Essa coabitação torna mais evidente que a exclusão não deriva exclusivamente da miséria, que não decorre de escolha ou, como se diz, é consequênciadavagabundagem.
Da mesma forma que esses estrangeirossãorefugiadosdo mundo, muitos por razões involuntárias, os brasileiros vivem o mesmo status em seu próprio país, como aponta o senhor palestino no diálogo mais incisivo do filme.
Mais eloquente ainda é escolher o espaço de um hotel abandonado para mostrar como vivem seus “hóspedes”. Hotéis são lugares de passagem, não moradias, e conseguir captar essa provisoriedade é uma das qualidades do filme, a vida em condições precárias num espaço à deriva,