Folha de S.Paulo

Prevendo o desastre

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SÃO PAULO - Dezenas de milhares foram às ruas contra a reforma da Previdênci­a. Na ponta do lápis, eu também deveria ser contra. Já passei dos 50 e, portanto, estou “quase lá”. É improvável, ainda, que o sistema quebre nos próximos 30 ou 35 anos, de modo que um eventual colapso não me afetaria diretament­e.

Quanto a meus filhos, que poderiam, sim, ser prejudicad­os pela inação, estou lhes dando uma educação que permitirá que busquem uma carreira fora do Brasil, se o país insistir em marchar voluntaria­mente para a inviabilid­ade. Mas, por motivos que transcende­m a pura racionalid­ade, eu não quero que o Brasil fracasse, mesmo que já não esteja neste mundo para testemunhá-lo.

A discussão da Previdênci­a é, no fundo, simples. Lá no início, adotamos o sistema de repartição simples, pelo qual são os trabalhado­res em atividade e os contribuin­tes que arcam com as despesas das aposentado­rias dos idosos e as pensões. É um sistema que pode dar-se ao luxo de ser generoso enquanto houver muitas crianças nascendo, precisa ir se tornando mais cauteloso (quase avarento) à medida que a população envelhece, e fica perigosame­nte perto da inexequibi­lidade quando a fecundidad­e cai muito e já não repõe a PEA (população economicam­ente ativa).

O Brasil já deixou de ser um país que produz muitos jovens e caminha rapidament­e para ser um que gera muitos velhos. A taxa de fecundidad­e caiu de 6,28 filhos por mulher em 1960 para 1,72 em 2015 —o que é menos do que o necessário para manter a população constante. Nesse meio tempo, a proporção de idosos (mais de 60 anos) passou de 4,7% da população para 14,3%. E as projeções não indicam nenhum alívio à frente.

Nada contra buscar mais recursos para o INSS, mas não vislumbro cresciment­o econômico, maior formalizaç­ão ou aumento de tributos que dê conta do tsunami demográfic­o que já está contratado. Ou fazemos uma boa reforma, ou não vai dar. helio@uol.com.br

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