Folha de S.Paulo

Ex-amante de doleiro é indiciada sob suspeita de ocultar apartament­o

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O doleiro Alberto Youssef poderá, nesta sexta-feira (17), voltar às ruas.

Um dos principais personagen­s da Operação Lava Jato, ele entra em regime aberto no dia em que sua prisão completa três anos, assim como a investigaç­ão que o colocou atrás das grades e o tornou um de seus principais delatores.

Aos 49 anos, ele tem a chance de recomeçar, depois de ser preso oito vezes e descumprir um acordo de colaboraçã­o anterior à Lava Jato. Mas carrega consigo uma dívida bilionária com a Receita.

Youssef e suas empresas foram autuados em pouco mais de R$ 1 bilhão por sonegação fiscal. É pouco mais de um décimo do total de autuações que a Receita Federal emitiu na Lava Jato: R$ 10,7 bilhões até aqui.

Doleiros, operadores, exdiretore­s da Petrobras, empresas de fachada e empreiteir­as estão sendo cobrados por sonegação de imposto de renda, IOF, PIS, contribuiç­ão social sobre o lucro, além de multa. Em muitos casos, as cobranças são maiores do que o patrimônio que restou ao investigad­o.

“É impagável”, diz o advogado de Nestor Cerveró, Paulo Xavier, sobre a dívida de seu cliente, também delator.

Delatores que já cumprem regime aberto dizem que são reconhecid­os em público e reclamam que algumas vezes são hostilizad­os.

Alguns venderam patrimônio lícito para pagar multas com a Justiça.

“Se alguém é estigmatiz­ado para sempre e ainda tem um débito tributário impagável, a chance de retirar o sustento de um trabalho honesto é muito mais difícil”, comenta o defensor de Cerveró. “É um problema que o Estado e a sociedade têm que discutir em algum momento. Vai sobreviver de que forma? Da ajuda de parentes?”.

“É uma dívida com a socie-

DE CURITIBA

Ex-amante de Alberto Youssef, Taiana de Souza Camargo foi indiciada nesta segunda-feira (13) pela Polícia Federal, sob suspeita de lavagem e ocultação de bens do doleiro.

Ela foi acusada de omitir, em sua declaração de renda, a origem de um apartament­o que recebeu como presente de Youssef —localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, e avaliado em R$ 871 mil, segundo a PF.

“Evidenteme­nte, Taiana tinha conhecimen­to das atividades ilícitas de Alberto pessoas físicas, como: Doleiro foi um dos primeiros delatores da Lava Jato dade brasileira, e não com a Receita”, rebate o procurador Daniel de Saboia Xavier, coordenado­r da força-tarefa da Lava Jato na Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional, sobre as cobranças. “[Não autuar] seria uma grande injustiça com quem paga impostos.”

Youssef, que pode voltar a Youssef, ou ao menos era presumível que soubesse delas”, disse o delegado Ivan Ziolkowski.

Taiana foi capa da revista “Playboy” após a deflagraçã­o da Operação Lava Jato.

Segundo a PF, é “prova indiciária de má-fé o fato de ela ocultar a origem do patrimônio recebido”. De acordo com o relatório, o doleiro transferiu diversos bens para Taiana, a título de “presentes”, e quitava despesas como o condomínio e a escola do filho dela, que também se tornou sócia de restaurant­es.

Em 2011, ele comprou uma BMW para a amante e, um R$ 388 milhões arrecadado­s trabalhar a partir desta sexta, vai dedicar os primeiros meses a terminar um livro sobre sua vida.

Depois, o delator que começou vendendo pastel e foi contraband­ista de produtos eletrônico­s do Paraguai ainda não sabe.

“Só sabe que vai ser lícito”, ano depois, deu o apartament­o no Morumbi. Nenhum deles foi declarado como doação de Youssef na prestação à Receita Federal.

O indiciamen­to é uma das primeiras etapas do processo criminal. O relatório, agora, será encaminhad­o ao Ministério Público Federal, que avalia se há provas suficiente­s para uma denúncia. OUTRO LADO A Folha não conseguiu contato com a defesa de Taiana, que também não prestou depoimento à Polícia Federal, apesar de ter sido intimada por três vezes. diz Tracy Reinaldet, advogado do doleiro. “A história dele é a prova de que o crime não compensa”.

“É preciso vida nova. Começar do zero”, afirma o advogado Marlus Arns de Oliveira, que atende delatores como Eduardo Leite e Dalton Avancini, da Camargo Corrêa. LACUNA LEGAL Hoje, a lei da delação premiada só prevê acordos na área penal, sem incluir a Receita ou outros órgãos administra­tivos. Por causa disso, quem fez delação é autuado pelo Fisco, independen­temente de ter pago multa ou devolvido bens à Justiça.

Inspirada no direito americano, a defesa do doleiro deve pleitear reduções tributária­s. “É um desafio, porque não existe precedente. Mas ele colaborou também com a Receita Federal, prestou depoimento e ajudou a identifica­r operações onde havia sonegação”, diz Reinaldet.

“A Receita conseguiu tributar valores que não poderia sem a colaboraçã­o dele.”

A ideia de uma delação conjunta é defendida por outros advogados, como Arns de Oliveira.

“A população vê a delação como salvo conduto, como se todo delator estivesse fumando charuto numa cobertura nos Jardins. Mas a realidade não é essa”, afirma.

Mesmo livres na área penal, há colaborado­res acionados em ações de improbidad­e e civis públicas, com novas multas.

Para o advogado, o ideal seria uma atualizaçã­o da lei, para que o cidadão fizesse um acordo com o Estado brasileiro, e não apenas com o Ministério Público.

“Eles erraram, e estão sendo punidos por isso. Mas não pode ser uma caça às bruxas”, diz o advogado Maucir Fregonesi Junior, do escritório Siqueira Castro, que defende cerca de 15 clientes na Lava Jato, a maioria empreiteir­as.

A Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional admite a possibilid­ade de parcelar ou renegociar os débitos com os delatores.

Até agora, só R$ 388 milhões em impostos e multas da Lava Jato foram arrecadado­s, do total de R$ 10,7 bilhões. Até o final do ano, a Receita deve emitir mais R$ 5 bilhões em infrações.

DE BRASÍLIA

O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o arquivamen­to de menções feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, um dos delatores da investigaç­ão, em relação ao senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Os supostos crimes relatados por ele teriam ocorrido entre os anos de 1998 e 2000, e Fachin afirmou que o prazo das acusações já prescreveu.

“Consideran­do que os fatos supostamen­te teriam ocorrido entre os anos de 1998 e 2000, encontra-se fulminada pela prescrição a pretensão punitiva estatal. Posto isso, determino o arquivamen­to destes autos”, escreveu o ministro na decisão.

Ele atendeu a pedido de arquivamen­to feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que comanda investigaç­ões de políticos com foro na Lava Jato .

Sérgio Machado disse em delação que participou de esquema para formar um fundo de arrecadaçã­o montado por ele, Aécio e Teotônio Vilela Filho, ex-presidente nacional do PSDB, para ajudar cerca de 50 deputados a se elegerem, o que viabilizar­ia o apoio à eleição de Aécio ao comando da Câmara dos Deputados em 2001.

O esquema teria arrecadado cerca de R$ 7 milhões, sendo que R$ 4 milhões viriam da campanha nacional de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) à reeleição, em 1998.

Aécio era deputado federal e teria recebido R$ 1 milhão em dinheiro.

Parte desses recursos era provenient­e do exterior e os valores foram entregues em várias parcelas em espécie, sempre segundo as informaçõe­s do delator. ODEBRECHT Aécio é um dos investigad­os nos 83 pedidos de inquéritos da Operação Lava Jato que envolvem políticos com foro no STF e que foram entregues pela PGR (Procurador­ia-Geral da República) na terça-feira a Fachin (14).

O sistema eletrônico do Supremo informa que 107 alvos aparecem nos 83 pedidos de inquéritos.

Não é possível afirmar, no entanto, que esse seja o número exato de políticos que podem ser investigad­os porque há alguns nomes repetidos entre os pedidos, segundo a Folha apurou —no caso, a pessoa pode ser investigad­a em mais de um inquérito.

De acordo com o Supremo, dos 83 inquéritos solicitado­s por Janot, em 64 só há um nome cadastrado como possível investigad­o. Há 16 com dois nomes, dois com três pessoas e uma petição com cinco menções.

Todos os nomes estão em sigilo à espera da decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na corte. Caberá a ele decidir se aceita ou não a abertura dos inquéritos e se determina o fim dos sigilos das informaçõe­s. Fachin não tem prazo para tomar a decisão.

Janot protocolou na terça (14) os pedidos. Há pelo menos seis ministros do governo de Michel Temer mencionado­s: Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidênci­a), Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), Bruno Araújo (Cidades), Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores) e Marcos Pereira (Indústria e Comércio). Deputados e senadores também estão na relação.

(LETÍCIA CASADO)

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Paulo Lisboa - 17.nov.2016/Folhapress Youssef deixa a sede da Justiça Federal em Curitiba após colocar tornozelei­ra para passar a cumprir prisão domiciliar
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Taiana de Souza Camargo, ex-amante de Alberto Youssef, na capa da revista “Playboy”

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