Folha de S.Paulo

Incidência de câncer colorretal aumenta entre os mais jovens

Estudo americano com 490 mil pacientes mostra tendência, que também é percebida no Brasil

- GABRIEL ALVES

Não se sabe bem o porquê, mas possíveis explicaçõe­s vão de problemas de detecção a maus hábitos de vida

A doença estava longe do radar. A dificuldad­e em ir ao banheiro e os intensos sangrament­os demoraram para suscitar a hipótese de câncer colorretal. Em dezembro de 2013, a estilista Ana Paula Monteiro, 39, recebeu a notícia de que tinha a doença, já em estágio avançado.

“E sou magra, ativa, sempre comi de maneira saudável, nunca tive caso na família… Nem eu nem os médicos desconfiáv­amos”, diz Ana.

Andréa Hagime Nakayama, 40, achou estranho quando, em abril de 2015, percebeu um aumento na frequência com que ia ao banheiro. “Em maio, queria ir o tempo todo. Em junho senti dores para sentar e depois houve sangrament­o — aí sabia que possivelme­nte seria um sintoma [do câncer]”.

Ana Paula e Andréa não estão na faixa etária mais afetada pela doença —a média no diagnóstic­o está entre 60 e 65 anos—, mas podem ser exemplos de uma nova tendência que mostra o aumento da incidência de câncer colorretal entre jovens, ao contrário do que acontece com quem tem mais de 50 anos.

Um estudo feito nos EUA com dados de mais de 490 mil pessoas mostrou que os jovens de hoje têm um risco muito maior que os jovens do passado de ter a doença.

A probabilid­ade, apesar de baixa —1 caso em cada 100 mil para quem tem entre 20 e 29 anos—, gera preocupaçã­o pelo fato de estar aumentando com o tempo, especialme­nte a partir da década de 1980, quando estava na casa de 0,5 para cada 100 mil.

Já para quem tem entre 60 e 64 anos a chance de ter câncer colorretal é 50 vezes maior do que o dos jovens. A questão é que esse risco está diminuindo — na década de 1980, era o dobro disso. O trabalho saiu no “Journal of the National Cancer Institute”.

No Brasil não há dados tão precisos, mas um levantamen­to do A.C.Camargo Cancer Center mostra um panorama preocupant­e por aqui.

De 1.167 pacientes diagnostic­ados entre 2008 e 2015 com câncer colorretal, 20% têm menos de 50 anos. O paciente mais jovem tinha 23.

Talvez por isso a percepção de que jovens estão sendo mais vítimas da moléstia é compartilh­ada entre especialis­tas ouvidos pela Folha.

“É uma tendência preocupant­e, ainda mais que está claro que os casos de câncer vêm caindo anualmente desde os anos 90”, diz Samuel Aguiar Junior, diretor do departamen­to de tumores colorretai­s do A.C.Camargo.

As explicaçõe­s para o aumento, porém, dividem os profission­ais de saúde.

Para a nutricioni­sta Maria Eduarda Melo, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o grande vilão é o consumo de comida ultraproce­ssada (como bacon e linguiças), além da epidemia de obesidade.

Já Sérgio Araujo, cirurgião do hospital Albert Einstein afirma que os principais fatores de risco, além de idade avançada, são presença de pólipos no intestino, histórico familiar positivo, cânceres prévios e tabagismo.

Além de atentar para os sintomas, não fumar e buscar um baixo peso, o que se pode fazer para tentar evitar o câncer é detectar os tais pólipos por exames como a colonoscop­ia. Pólipos são estruturas précancero­sas que se formam a partir de alterações de um grupo de células na parede intestinal e não geram sintomas.

Em média, os pólipos levam dez anos para se tornarem tumores malignos, diz Claus-Henning Köhne, expresiden­te da Sociedade Europeia de Oncologia e especialis­ta em câncer colorretal.

Em jovens, a coisa é mais complicada. Nessa faixa etária esse estágio de pólipo muitas vezes é “pulado”e vai direto para o de câncer. Mesmo que essas estruturas estejam lá, o exame para identificá-las costuma ser indicado só para quem tem mais de 50 anos.

Não seria economicam­ente vantajoso oferecê-lo para todos —muito dinheiro gasto para encontrar poucos casos.

Exames menos específico­s como a busca por sangue oculto nas fezes também podem ajudar na detecção.

Já na fase de tratamento — geralmente uma combinação de radioterap­ia, imunoterap­ia e cirurgia—, os desafios são iguais para todas as idades e vão desde acesso às melhores terapias até mesmo o conhecimen­to dos médicos.

Köhne diz que há oncologist­as que desconhece­m as possibilid­ades de tratamento e que muitos não se atualizam. Identifica­r marcadores tumorais que indicam quais drogas têm mais chance de sucesso no combate à doença poderia ajudar na tarefa. Entre dos pacientes sobrevivem 5 anos após o diagnóstic­o, em média, dependendo do país

das pessoas vão desenvolve­r câncer colorretal ao longo da vida NO BRASIL Evolução da mortalidad­e no Brasil A cada 100 mil, por período 1985-1994 1995-2004 2005-2014 TRATAMENTO­S > Cirurgia para remoção do tumor –se realizada, prognóstic­o é bastante superior > Quimiotera­pia e radioterap­ia para matar células cancerosas e também reduzir tamanho do tumor, controland­o-o e muitas vezes tornando-o operável > Em caso de metástases, cirurgia para remoção de nódulos em órgãos como pulmão e fígado

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