Folha de S.Paulo

Velejador supera o ‘Everest dos mares’ após incêndio e quebras

- ALEX SABINO

DE SÃO PAULO

De cabeça para a baixo, pendurado pelo tornozelo, no escuro da madrugada e a poucos metros de cair no Oceano Pacífico, Conrad Colman, 33, percebeu: poderia morrer ali.

“Não tinha a menor ideia de como sair ”, disse o neozelandê­s à Folha.

O barco Foresight Natural Energy foi sua casa por 106 dias, o tempo que levou para completar a Vendée Globe Race, uma das corridas de vela mais exigentes do planeta. Uma volta ao mundo de 40 mil quilômetro­s que Colman jurou que terminaria. Conseguiu depois de sacrifício que justificou o apelido da prova: o “Everest dos mares”. Cruzou a linha de chegada na embarcação com a velocidade de 2,4 nós (4,4 km/h).

“Sabia que seria um desafio. Mas foi muito maior do que sonhava”, disse Colman.

Ao tropeçar e ficar preso pela corda, o capacete com lanterna que usava caiu no mar. Ficou uma hora no breu até sair daquela situação e voltar ao barco. Teve mais.

A largada e a chegada foram em Les Sables-d’Olonne, na França. No sul do Oceano Atlântico, o piloto automático parou de funcionar e o barco começou adernar para a direita. Colman ficou preso por três horas no cockpit, sem conseguir sair. Poderia pedir socorro, mas este não chegaria a tempo se o Foresight seguisse tombando.

Ele resolveu às pressas o problema mecânico e a embarcação voltou à posição normal. “Se eu estivesse na Apolo 11 [primeira espaçonave a pousar na lua] teria mais chance de ser resgatado do que naquela situação. Eu tinha de consertar logo.”

No Oceano Índico, um curto circuito causou incêndio no barco e poderia tê-lo destruído. Ao acionar o extintor para apagar o fogo, Colman teve mais um item para a coleção de apuros: este não funcionava. Correu para pegar cobertor elétrico e abafar as chamas. Levou um choque que o atirou longe.

“Apesar de tudo isso, consegui conter o fogo.”

O pior estava por vir. Após 97 dias no mar, o mastro quebrou no meio. Faltavam 1.100 quilômetro­s para a chegada. O velejador estava próximo da costa portuguesa e era possível pedir ajuda. Isso significar­ia desistir da prova.

Apesar do pouco espaço físico e da limitação de equipament­os, ele usou peças de madeira quebradas, corda e cola e improvisou nova peça. LEMBRANÇA Quando Colman tinha 11 meses, seu pai morreu em um acidente. Caiu do topo do mastro de um barco quando tentava arrumá-lo.

“Não tive medo. Problemas com mastros são comuns. Era questão de honra terminar a prova. Chegaria nem se fosse remando”, disse.

Honra e sonho. O Foresight era um barco de segunda mão comprado por Colman por R$ 1,6 milhão. Raspou as economias da família para adquirilo. Uma quantia pequena se comparada aos concorrent­es na prova, patrocinad­os por grandes empresas e com equipes a bordo e em terra.

O time de apoio de Colman era sua mulher, Clara. Foi ela quem o esperou na linha de chegada com um prato de salada. Nos últimos dias, o velejador sobreviveu com biscoitos e brotos de alfafa. O resto da comida havia acabado. Vegetarian­o, ele se recusava a pescar. No período, ingeriu 700 calorias por dia, um terço do que precisava.

De sua casa, em Lorient, na França, ele planeja a próxima aventura. Apesar dos apertos, quer disputar a prova de novo. Segundo ele, para ganhar. Neste ano, ele foi o 16º entre os 16 que completara­m a corrida.

“Diante de tudo o que aconteceu, foi uma vitória.”

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