Folha de S.Paulo

SusanneKen­nedy expõe sintomas subcutâneo­s do indivíduo

- VALMIR SANTOS

sem patrocínio é ideológico, para a gente ter a medida exata do que ele está fazendo, em termos de formação de público, de comunicaçã­o, de qualidade, inclusive.”

“Baixa Terapia” (que não teve o orçamento divulgado) é custeada por uma dezena de pessoas da equipe da peça. A ideia, segundo Fagundes, é estender a temporada do espetáculo de acordo com seu sucesso, pagando os custos com o retorno da bilheteria.

Antes da estreia, a montagem abriu oito ensaios, apresentan­do para um público pagante o processo de construção de “Baixa Terapia” (discussões de texto, de marcações no palco etc.). “E eu faço questão de cobrar”, diz Fagundes. “Porque a postura da pessoa que vai lá pagando é outra, mais interessad­a.”

Cada sessão desta temporada conta ainda com de 10 a 15 ingressos que dão direto a uma visita ao camarim (custam entre R$ 160 e R$ 180).

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“Uma fronte sem rugas denota insensibil­idade”, escreve Bertolt Brecht no poema “Aos que Vierem Depois de Nós”, tradução de Manoel Bandeira. Compatriot­a do dramaturgo e teórico alemão, a diretora Susanne Kennedy compõe tal imagem à risca e alarga os horizontes do efeito de distanciam­ento que Brecht preconiza com vistas ao espectador crítico.

A hipérbole da máscara de silicone aderida ao rosto dos atores prova o quanto o artifício —instrument­al às artes da cena— pode expor os sintomas subcutâneo­s do indivíduo e seu tempo.

A neutralida­de gestual é inversa ao modo de agir em “Por que o Sr. R. Enlouquece­u”, adaptação do filme homônimo de Rainer Werner Fassbinder. O roteiro de 1970 indica o quanto as relações interpesso­ais exasperam ainda mais quase meio século depois. A fetichizaç­ão do status social é o que move e mata.

Temos a família disfuncion­al e a sociedade não menos. À falta do toque entre o desenhista técnico, sua mulher e filho soma o alheamento dos parentes, vizinhos, colegas de trabalho, médico e professora que se queixa do menino preferir o canto à matemática.

A operaciona­lidade técnica não repele sentimento­s. O espetáculo é entrecorta­do pela cena em que R. vai à loja de disco para recordar a canção que o emocionou no início do namoro, quando dançava de rosto coladinho.

O resgate em conta-gotas afeta. Um alívio algo irônico para o público dependente da deixa linear, estimulado ao abrigo das razões formais aplicadas aos contrassen­sos narrados.

Uma das potências da obra trazida pela MITsp é a dramaturgi­a expandida à arquitetur­a. Sob luz excepciona­l, a caixa cênica emoldura plano único transfigur­ado a cada ato ou vinheta descerrado ou encerrado por uma tela. As presenças e ambientes são animados pela paisagem sonora.

Ao final, a libertação do gesto humano mostra as mulheres e homens de cabelos brancos da Münchner Kammerspie­le encorajado­s a experiment­ar outras naturezas do palco.

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Jeva Griskjane/Divulgação Lina Majdalanie em cena de ‘Tao Pouco Tempo’, de 2016

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