Folha de S.Paulo

Carne estragada

Segundo PF, esquema de propinas permitiu venda de alimento adulterado; mesmo antes de comprovaçã­o cabal, caso já prejudica a economia

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São aterradora­s as suspeitas divulgadas com a deflagraçã­o da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, sobre conluios entre frigorífic­os e fiscais do governo visando a venda ilegal de alimentos nos país e no exterior.

A se confirmare­m as alegações da PF, trata-se de caso em que as implicaçõe­s da corrupção vão além das esferas moral, política e econômica —está em risco a própria saúde dos consumidor­es.

Divulgaram-se gravações que sugerem manobras para o aproveitam­ento de produtos com prazo de validade vencido, adulterado­s ou mesmo estragados, com a cumplicida­de de funcionári­os do Ministério da Agricultur­a.

É cedo, decerto, para apontar culpas e avaliar a extensão dos danos. Parece evidente, no entanto, que há indícios de práticas cotidianas e em larga escala de irregulari­dades. A reação de empresas e autoridade­s envolvidas reforça a gravidade do episódio.

A Justiça autorizou o cumpriment­o de 37 mandados de prisão temporária ou preventiva, mais conduções coercitiva­s e buscas em seis Estados e no Distrito Federal. A operação atingiu dirigentes de dois gigantes do mercado de carnes, os grupos JBS e BRF, e outras 30 empresas do setor.

A Agricultur­a anunciou o afastament­o de 33 servidores —providênci­a demasiado tardia, dado que, segundo a própria pasta, as primeiras denúncias datam de quase sete anos atrás. Os frigorífic­os divulgaram que colaboram para o esclarecim­ento dos fatos.

A política faz parte do enredo em apuração. Fiscais de defesa agropecuár­ia dispõem de consideráv­el poder regional, e as indicações para os cargos de comando são disputadas pelos partidos (o ministério é feudo tradiciona­l da bancada ruralista do Congresso).

De acordo com a PF, que não soube fornecer mais detalhes a respeito, há sinais de que a propina arrecadada ajudou a abastecer os caixas do PMDB e do PP.

Há ainda um estrago econômico pela frente, antecipado pela queda vertiginos­a das ações da dupla de frigorífic­os na Bolsa de Valores. Estão sob ameaça exportaçõe­s anuais de US$ 14,5 bilhões em produtos com proteína animal.

O Brasil levou anos para remover a desconfian­ça de autoridade­s sanitárias de outros países e disputar o mercado global de carne. Mesmo que não se comprovem problemas mais graves de qualidade dos artigos destinados ao exterior, as suspeitas bastam para compromete­r sua aceitação.

O país, afinal, demonstra mais uma vez o subdesenvo­lvimento de suas instituiçõ­es, ainda presente no agronegóci­o tão louvado pela modernizaç­ão e competitiv­idade.

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