Folha de S.Paulo

Escravidão sob sigilo

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O combate ao trabalho em condições análogas à escravidão conheceu nos últimos anos avanços importante­s no Brasil. Desde o início de século o país endureceu a política contra essa prática incompatív­el com os valores da civilizaçã­o.

É de se lamentar, assim, o impasse que hoje impede a divulgação do que ficou conhecido como a lista suja do trabalho escravo —a relação, elaborada pelo governo federal desde 2003, de empregador­es condenados em processo administra­tivo por submeterem trabalhado­res a condições precárias.

Nesse rol, o setor rural costuma responder pela maior parte dos casos, que incluem ambiente degradante e servidão por dívida.

Embora meritória por reprimir empreendim­entos que se valem de tais métodos, a medida inspirava inseguranç­a jurídica. Era regulada por meio de portaria do Ministério do Trabalho que não explicitav­a as garantias de ampla defesa durante o processo.

Em 2014, respondend­o a ação de empresas da construção civil, o ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar suspendend­o a publicação.

Nos últimos dias da gestão Dilma Rousseff (PT), redigiu-se nova portaria que ampliou as salvaguard­as dos acusados e definiu a forma de apresentaç­ão dos nomes no site do Ministério do Trabalho.

Relatora do caso no Supremo, a ministra Cármen Lúcia considerou que não havia mais motivos a impedir que se desse publicidad­e à relação de empregador­es. Sem maiores explicaçõe­s, no entanto, o governo Michel Temer (PMDB) manteve os dados em sigilo.

À aparente procrastin­ação do Executivo federal seguiu-se uma batalha jurídica ainda sem desfecho. Em dezembro, o Ministério Público obteve na Justiça liminar que determinav­a a divulgação da lista; a União recorreu e, em 7 de março, conseguiu suspender a medida por 120 dias.

Nesse prazo, prometia-se, um grupo de trabalho —instrument­o de triste tradição na burocracia brasiliens­e— buscará regras que contentem todas as partes interessad­as.

Na semana seguinte, entretanto, o ministro Alberto Bresciani Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho, reverteu a decisão, em favor da publicidad­e. Restou à Advocacia-Geral da União recorrer ao STF.

São mais que legítimas as reivindica­ções de pleno direito de defesa. Não se compreende, entretanto, a morosidade do governo, que só se prontifico­u a examinar o assunto sob pressão de decisões judiciais. O enfrentame­nto de uma chaga que envergonha o país exige transparên­cia e celeridade.

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