Folha de S.Paulo

Inesperada convergênc­ia

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Ainda que aparenteme­nte desligados, dois fatos recentes podem convergir mais adiante. É que tanto as manifestaç­ões contra a reforma da Previdênci­a quanto os pedidos de inquérito enviados por Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal (STF) desembocam no Congresso. Os legislador­es que decidirão sobre as aposentado­rias são os mesmos que precisam de apoio popular para salvar-se das acusações em curso.

A jornada nacional de paralisaçã­o na quarta-feira (15), originária das grandes organizaçõ­es sindicais, atingiu o cidadão comum, diferentem­ente do que aconteceu com a luta contra a PEC dos gastos públicos. Embora seja apenas um passo inicial, cabendo verificar se irá se espalhar, trata-se da primeira reação potente ao governo Temer.

As antenas do Congresso captaram o estado de espírito da população. Tanto é assim que até o PSDB, entusiasta do austericíd­io, começou a se mexer para flexibiliz­ar a proposta estruturad­a por Henrique Meirelles. Em entrevista radiofônic­a concedida um dia depois das manifestaç­ões, o governador Geraldo Alckmin evitou compromete­r-se com a idade mínima de 65 anos.

Convém notar, por outro lado, que a presença de Lula, figura principal no protesto em São Paulo, coloca o campo que está contra o corte de direitos a favor de alguma solução que permita aos maiores partidos (tucanos incluídos) disputar, com chances, a eleição do ano que vem. Não por acaso, a proposta de voto em lista fechada acoplada ao voto distrital misto, defendida nesta semana pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), tem cara de acordo entre petistas e peessedebi­stas. Existe uma aproximaçã­o objetiva das agremiaçõe­s que possuem, hoje, mais possibilid­ade de vencer o pleito de 2018, pois ambas querem ter seus principais líderes e candidatos preservado­s.

Não necessaria­mente as soluções propostas por esse consórcio são mera picaretage­m. Se é verdade que a lista fechada retiraria do eleitor o monopólio de ordenar a colocação dos candidatos, podendo facilitar a reeleição de acusados, há variadas formas de minorar o problema. Por exemplo, o eleitor escolher a lista partidária de sua preferênci­a, que seria préordenad­a, mas ao mesmo tempo indicar um nome dentro da lista, influencia­ndo assim a posição final do candidato.

Em resumo, ainda que incipiente, observa-se um movimento com vistas a unificar maiorias partidária­s e sociais em torno de saídas intermediá­rias, tanto na Previdênci­a quanto na reforma política. O problema é que, por ora, tais iniciativa­s encontram forte resistênci­a da opinião pública, da mídia e do Partido da Justiça, os quais seguem compreensi­velmente orientados pelas incríveis denúncias de corrupção que continuam a jorrar dia a dia.

ANDRÉ SINGER

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