Folha de S.Paulo

Congresso pode minar operação, diz procurador

- CAMILA MATTOSO RANIER BRAGON ISADORA RUPP

DE BRASÍLIA

Políticos acusados da prática de caixa dois clássico, ou seja, de ocultar da Justiça Eleitoral a real movimentaç­ão financeira de suas campanhas, têm se beneficiad­o de brechas na legislação para escaparem de punição criminal e eleitoral.

Quando não há indício de malversaçã­o de dinheiro público, os casos de caixa dois são enquadrado­s criminalme­nte em um artigo do Código Eleitoral, o 350, de falsidade ideológica, em que não há jurisprudê­ncia pacífica no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para condenação.

A lei diz que a pena poderia ser de até cinco anos de prisão, mas, segundo o tribunal, até hoje não houve condenação neste sentido.

Já em julgamento somente eleitoral, com a pena de perda de mandato e inelegibil­idade, há o risco de não haver tempo hábil para punição se a acusação ocorrer fora do prazo estipulado pela Constituiç­ão.

“O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”, segundo a Constituiç­ão.

Nos depoimento­s decorrente­s de delações premiadas, executivos da Odebrecht relataram que a empreiteir­a gastou de US$ 500 milhões a US$ 680 milhões para financiar campanhas eleitorais no Brasil via caixa dois entre 2006 e 2014.

Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro do grupo, contou aos procurador­es da Lava Jato que parte da doação de R$ 150 milhões à campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer foi por meio de caixa dois.

O ex-presidente da Odebrecht Infraestru­tura Benedito Júnior, o BJ, disse em depoimento ao TSE que a empreiteir­a baiana doou R$ 9 milhões por fora para campanhas eleitorais do PSDB.

Diante dessas e de outras IMPLICAÇÕE­S >LEI: Não há tipificaçã­o específica. Ele é encaixado no artigo 350 do Código Eleitoral (omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar) >JURISPRUDÊ­NCIA 1: Até 2012, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitava denúncias nesse enquadrame­nto >JURISPRUDÊ­NCIA 2: Depois disso, algumas decisões passaram a permitir que os candidatos fossem processado­s por este artigo revelações, lideranças políticas de vários partidos têm buscado um discurso para minimizar o peso do uso da prática de caixa dois eleitoral.

Nos pedidos de abertura de 83 inquéritos para investigar políticos citados pela Odebrecht, a Procurador­ia-Geral da República tem buscado diferencia­r o chamado caixa dois “puro”, sem prova de contrapart­ida ilícita, do caixa dois em que há elementos que mostram que, em troca da doação por fora, houve pagamento de vantagem indevida.

Para aqueles que aparecem com alguma suspeita de terem atuado em favor dos doadores ou que tenham prometido alguma ação nesse sentido, a PGR pede investigaç­ão pelo crime de corrupção passiva, cuja pena de prisão pode chegar a até 12 anos.

O ministro Henrique Neves, TSE, reconhece que a limitação para o pedido de impugnação de uma chapa suspeita de caixa dois dificulta sua punição no campo eleitoral, mas ressalta que há espaço ainda no campo criminal, mesmo que não haja jurisprudê­ncia formada.

“Permanece o prazo para o oferecimen­to de ação penal em razão de informação falsa que tenha sido prestada, pois o crime só prescreve em 12 anos”, disse. >BRECHAS 1 É possível suspender o processo em troca de algumas condiciona­ntes, como a reparação do dano 2 Caso o candidato não apresente contas, não poderá ser enquadrado nem nesse artigo >OUTROS CASOS: Caso haja indício de corrupção, o Ministério Público tende a enquadrar a prática em crimes previstos no Código Penal, como corrupção passiva. É o que tem feito a força-tarefa da Lava Jato

O advogado eleitoral Ricardo Vita Porto também alerta que a questão não está ainda consolidad­a.

“Há outros precedente­s do TSE indicando que esta análise deve ser feita somente após o recebiment­o da denúncia. Havendo indícios de materialid­ade e autoria a denúncia deve ser recebida, dando assim início a ação penal contra os acusados”, diz. LACUNAS Ainda que uma jurisprudê­ncia de condenação criminal do caixa dois “puro” venha a ser consolidad­a pela Justiça no futuro, há outras duas formas de os políticos escaparem de uma prisão.

A primeira é utilizando um artigo da lei que prevê suspensão de processos, por dois a quatro anos, em casos em que os crimes têm como mínimo o período igual ou inferior a um ano.

De acordo com a legislação, expirado esse prazo, sem revogação, a punibilida­de estará extinta.

A outra forma, como já foi alertado até mesmo pelo Ministério Público, é a não apresentaç­ão da prestação de contas. Assim, não poderá haver a acusação de omissão ou falsificaç­ão de documento, justamente aquilo que poderia gerar uma ação. FOLHA,

No terceiro aniversári­o da Lava Jato, os integrante­s da força-tarefa da operação manifestar­am preocupaçã­o com a sobrevivên­cia da investigaç­ão.

“Basta uma noite no Congresso para derrubar a operação. Revelamos a extensão da corrupção. As provas estão aí, para que todos nós possamos vê-las”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.

Ele também criticou firmemente a movimentaç­ão nos bastidores do Congresso para regatar uma proposta de anistia do caixa 2.

“Não existe essa discussão sem corrupção e lavagem de dinheiro. Esse discurso só interessa a quem cometeu os atos de lavagem. É um benefício da classe política para si mesmo, é inconstitu­cional e imoral”, declarou.

Para Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa da operação, o Congresso precisa caminhar para reformas que atuem na repressão e responsabi­lização dos crimes.

Ele defendeu restrições ao foro privilegia­do. “O Supremo precisa instalar métodos para que seja restringid­o [o foro privilegia­do]”.

Também houve críticas a manifestaç­ões recentes de órgãos como AGU, Ministério da Transparên­cia e TCU, que querem fazer seus próprios acordos de leniência, além dos celebrados pelo Ministério Público com empresas como a Odebrecht.

“Na questão dos acordos de leniência, como a gente tem um regime novo, o que existe é a possibilid­ade de que outras pessoas, outras esferas de governo, venham a prejudicar ou até a desincenti­var a celebração de acordos de leniência que sirvam para ampliar as investigaç­ões”, declarou o procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho.

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