Folha de S.Paulo

Delenda Odebrecht

- DEMÉTRIO MAGNOLI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

NA LISTA de Janot, dois nomes devem ser separados, como indicadore­s políticos: Antonio Palocci e Guido Mantega. O “Italiano” e o “PósItalian­o” das planilhas do Departamen­to de Operações Estruturad­as da Odebrecht eram os titulares do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2015. Isso diz algo crucial sobre a remontagem do Estado conduzida pelo lulopetism­o.

“Fazenda” significa grande propriedad­e rural e, ainda, os recursos financeiro­s do poder público. A ambiguidad­e etimológic­a entre o patrimônio privado e a coisa pública condensa o dilema principal da formação política do Brasil. Não deixa de ser uma ironia e tanto que os governos do PT, o grande partido de esquerda, tenham eliminado a tensão entre os dois significad­os, tornando-os equivalent­es. Se os investigad­ores da Lava Jato não se enganam na decifração das planilhas, Palocci e Mantega ocupavam-se, antes de tudo, com a macroecono­mia da corrupção. A “fazenda” do ministério comandado por eles era, essencialm­ente, o patrimônio privatizad­o oriundo do desvio de recursos públicos.

A esquerda costuma descrever o Ministério da Fazenda como instrument­o dos interesses econômicos gerais da burguesia. Sob essa ótica, Lula e Dilma estreitara­m sua função, convertend­o-o em ferramenta dos interesses particular­es de uma fração do alto empresaria­do que se associou à coalizão governista. Os intelectua­is de esquerda que assinam o manifesto do “Volta Lula” são arautos do “Estado-Odebrecht”, versão radical, pós-moderna, do patrimonia­lismo tradiciona­l brasileiro.

No seu depoimento judicial, Emílio Odebrecht ofereceu, além de um espetáculo de cinismo, uma confissão relevante. Dos tempos de seu pai, Norberto, fundador da empresa, passando pelos dele e chegando aos do herdeiro, Marcelo, a Odebrecht consagra-se a corromper políticos, operando perenement­e como uma quadrilha. A riqueza acumulada pelo conglomera­do, sua “fazenda”, é fruto do parasitism­o, da corrosão da coisa pública.

A justificat­iva empregada por Emílio, de que seguia-se o “modelo reinante”, deve ser classifica­da, no plano ético, como um tapa na cara de incontávei­s empresas que curvam-se às leis e um escárnio dirigido à imensa maioria das pessoas comuns, vítimas desse “modelo reinante”. Porém, no campo da análise política, ela deve ser examinada mais de perto, pois destina-se a erguer uma muralha de neblina. O depoimento tenta ocultar que a cessão do Ministério da Fazenda à máfia político-empresaria­l represento­u uma singular evolução do “modelo reinante”.

Emílio e o PT usam o mesmo álibi: fizemos o que todos fazem. A ecumênica lista de Janot confere ilusória verossimil­hança à tese compartilh­ada. Mas o papel desempenha­do pelo “Italiano” e pelo “Pós-Italiano” a desmente. No depoimento, em atos falhos, Emílio mencionou o “nosso Brasil” e o “nosso Palocci”.

O pronome possessivo ilumina a corrupção 2.0: a Odebrecht governava em aliança com o PT. É por isso que tanto o generoso prêmio judicial pelas delações de Emílio e Marcelo quanto o acordo de leniência que se costura com a Odebrecht equivaleri­am ao sepultamen­to da Lava Jato.

A Odebrecht ocupa lugar especial no cenário do assalto à coisa pública. As demais empreiteir­as operaram segundo as regras criminosas do tal “modelo reinante”. Já o conglomera­do de Emílio e Marcelo assumiu a coordenaçã­o executiva do sistema de corrupção.

Não por acaso, foi agraciado com os mais vultosos contratos com estatais e com os maiores financiame­ntos do BNDES para obras no exterior. A justificat­iva do instituto da delação premiada é chegar ao cume da pirâmide. Na ponta empresaria­l da máfia, o cume é a Odebrecht.

Seus controlado­res devem experiment­ar o inteiro peso da lei, não mansão com vista para o mar. A empresa deve ser extinta, pela transferên­cia de sua direção a gestores públicos e pelo arresto de seu patrimônio.

Os intelectua­is de esquerda que assinam o manifesto do ‘Volta Lula’ são arautos do ‘Estado-Odebrecht’

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