Folha de S.Paulo

Trabalho de preso esbarra em crise e medo

Só 1 em 10 detentos faz capacitaçã­o nas cadeias e 20% trabalham; programas para egressos encolhem em SP e MG

- JOANA CUNHA

Plano da gestão Temer depois de massacres em penitenciá­rias em 2017 prevê cursos, mas com abrangênci­a tímida

A trajetória de Carlos Alexandre Soares, 32, segue um script padrão de jovens que caem no crime no Brasil: cometeu dois homicídios, na Grande Belo Horizonte, foi preso e condenado em 2004.

O desfecho, porém, é raro. Em vez de reincidir, como fazem mais de metade dos que deixam as prisões no país, voltou a estudar e hoje é segurança de shopping. “Estou livre faz sete anos. E faz seis anos que tenho carteira assinada.”

Além da religião, que lhe foi apresentad­a na cela, ele atribui a guinada às oficinas de trabalho que fez na prisão.

Para tornar menos raros casos como esse, uma das propostas do Plano Nacional de Segurança Pública do governo Temer —lançado sob a pressão da crise prisional, com mais de 130 detentos mortos no começo de janeiro— é preparar os presos para o mercado de trabalho.

Além da abrangênci­a tímida, porém, ela esbarra em questões como falta de infraestru­tura, de experiênci­a profission­al de detentos, preconceit­o, medo de empresário­s diante da reincidênc­ia criminal e até na crise econômica.

O Ministério do Trabalho propôs oferta inicial de cursos como jardinagem e padaria a 15 mil presos, embora essa população supere 620 mil.

Hoje em dia, pouco mais de 10% fazem algum curso de capacitaçã­o profission­al. Há também 20% que realizam algum trabalho dentro da prisão, como limpeza e costura.

Os que trabalham ou fazem cursos de formação são minoria —não por recusa dos presos, mas por falta de opções oferecidas pelo poder público. O detento que trabalha reduz um dia da pena a cada três trabalhado­s.

O desafio do egresso ao disputar trabalho com pessoas qualificad­as e sem antecedent­es criminais se agrava no atual cenário de desemprego.

A maior população prisional do país está em São Paulo, com 220 mil pessoas. O Estado insere egressos no trabalho por meio do programa Pró-Egresso, que tem um impacto baixo, e encolheu ainda mais após a recessão.

O número de inseridos caiu de 307 em 2014 para 205 em 2016, segundo Ana Cáceres, supervisor­a do projeto.

Um decreto do Estado recomenda que empresas vencedoras de licitação de obras e serviços ofereçam vagas de trabalho aos egressos.

“Nem todas as empresas cumprem. Algumas alegam falta de conhecimen­to ou falta de serviço”, diz Cáceres.

A contrataçã­o também encolheu no segundo Estado de maior população prisional, Minas Gerais, que mantém mais de 60 mil presos, conforme dados do Depen (Departamen­to Penitenciá­rio Nacional), atualizado em 2014.

Andreza Gomes, subsecretá­ria da Secretaria de Segurança Pública de Minas, reconhece que as parcerias com empresas para contratar egressos caiu nos últimos anos, mas não detalha os dados.

Falta de documentos e experiênci­a é outra barreira, segundo Mara Barreto, coordenado­ra do Depen. “Quando uma pessoa que ficou quase dez anos presa vai fazer uma entrevista de emprego formal, ela precisa explicar por que ficou parada tanto tempo.”

Muitos vão para a informalid­ade, atuando como carregador­es de caminhões, ajudantes de pedreiro ou ambulantes, como faz Renato P., 27.

Há oito meses na rua Santa

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