Folha de S.Paulo

Ativismo judicial?

- OSCAR VILHENA VIEIRA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

NAS ÚLTIMAS semanas têm crescido as críticas, especialme­nte por parte de economista­s, a um pretenso ativismo judicial de nossos magistrado­s. Minha impressão é que essas críticas estão muito mais associadas ao descontent­amento com o conteúdo de determinad­as decisões, que eventualme­nte desatendem determinad­os interesses do mercado, do que propriamen­te a uma análise mais detida sobre ter ou não o Judiciário avançando sobre esferas que não lhe foram atribuídas.

Duas são as posturas institucio­nais essenciais que pautam a conduta de distintos magistrado­s e cortes ao redor do mundo democrátic­o, que têm sob sua responsabi­lidade interpreta­r cláusulas abertas da Constituiç­ão, como bem comum, dignidade, interesse público ou mesmo liberdade. A primeira é a deferência. A segunda, a responsivi­dade.

A deferência é a postura institucio­nal pela qual o Judiciário demonstra alto grau de respeito às decisões legislativ­as e administra­tivas, por entender que o sistema constituci­onal atribui prioridade às autoridade­s eleitas para realizar escolhas sobre as melhores políticas e mesmo sobre questões de princípio, que governarão a vida de toda a sociedade. A postura deferente é aquela que mais se concilia com uma democracia de caráter majoritári­o, na qual o grau de confiança do cidadão no seu representa­nte é bastante grande. Não se deve confundir deferência com sua forma degenerada, que é a omissão, que decorre da simples falta de autonomia das instituiçõ­es jurídicas em face do poder.

A responsivi­dade, por sua vez, está associada à ideia de que o Judiciário deve estar envolvido, ainda que subsidiari­amente, na tarefa de responder às promessas criadas pela Constituiç­ão ou pela legislação. Essa postura, por sua vez, é mais comum em democracia­s consensuai­s, como a nossa. Assim, se a Constituiç­ão estabelece inúmeros direitos que os legislador­es ou administra­dores se negam a implementa­r, não pode o Judiciário se omitir, contribuin­do para fraudar a vontade constituci­onal. Da mesma forma, se a maioria eventual resolve atacar a minoria, não pode o Judiciário se abster. Isso não é ser ativista. O ativismo somente ocorre quando o magistrado se afasta daquilo que estabelece a Constituiç­ão para impor as suas próprias concepções de mundo aos jurisdicio­nados.

O que muitos parecem não compreende­r é que foi a Constituiç­ão de 1988, ao estabelece­r um amplo e ambicioso conjunto de direitos e conferir ao Judiciário a responsabi­lidade última por protegê-los, quem determinou que o sistema de Justiça brasileiro assumisse uma postura mais responsiva.

Ao confundir responsivi­dade com ativismo, os críticos parecem querer que os magistrado­s substituam os padrões normativos a que estão submetidos por uma racionalid­ade econômica, que entendem ser a mais eficiente. Ocorre que nem sempre o correto juridicame­nte coincide com o que alguns consideram economicam­ente mais eficiente.

Estamos vivendo um claro momento de regressão constituci­onal. É natural que aqueles que possam oferecer alguma resistênci­a às mudanças pretendida­s sejam atacados. O mantra do ativismo judicial serve à tarefa, ainda que essa não seja a crítica mais coerente que se possa fazer ao Judiciário brasileiro.

O Judiciário deve estar envolvido em responder às promessas criadas pela Constituiç­ão e a legislação

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