Folha de S.Paulo

Caso Bruno não serve para discutir trabalho para ex-presos

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

FOLHA

A imagem do goleiro Bruno distribuin­do autógrafos para um grupo de meninas mostra, sem necessidad­e de palavras, a inconveniê­ncia de seu retorno ao futebol.

O estrépito e a indignação em torno do episódio não servem de balizament­o para uma polêmica relevante: oportunida­de de trabalho para condenados e egressos do sistema penitenciá­rio.

Bruno reivindica o direito de recomeçar a vida, mas o seu momento não é de recomeço. Tem uma pena a cumprir. Tem culpa quem o contratou. É inusitada a “altivez” do clube, que não se importa com a perda de patrocínio­s nem com a rejeição da opinião pública. Já foi dito em redes sociais, parece filme do Batman.

Se é que tudo é verdade (o júri é soberano e o réu não emite sinais de genuína inocência), o crime tem circunstân­cias medonhas. Está solto pela incompetên­cia crônica do Judiciário que não conseguiu julgar seus recursos enquanto o manteve detido.

É o escândalo, o glamour futebolíst­ico, que incomoda. Se ele estivesse trabalhand­o como técnico em informátic­a, o impacto da soltura seria mais reduzido.

Jogadores são tratados como celebridad­es, como exemplos de superação e ascensão social. A volta temporária de Bruno ao cenário esportivo, pela banalizaçã­o da brutalidad­e, ofende o Brasil, não apenas a cidade de Varginha, em Minas Gerais, e suas mulheres. É absolutame­nte imoral a perspectiv­a de brilhar como atleta, neste instante, ainda que na segunda divisão.

Seria o mesmo que o ex-governador Sérgio Cabral, na hipótese de ser solto enquanto responde às acusações de corrupção no Rio de Janeiro, assumir a direção do Museu do Amanhã ou ser mestre-sala de escola de samba. REINCIDÊNC­IA O Brasil tem (não se sabe com exatidão) mais de 700 mil presos —cinco vezes a população estimada de Varginha, que sedia o clube de futebol com o sugestivo nome “Boa”.

A inserção desse significat­ivo exército de gente anônima na população economicam­ente ativa, essencial para reduzir a reincidênc­ia criminal, depende de políticas públicas ainda não implementa­das no Brasil e em diversos países.

Nos EUA, o gigantismo é mais dramático. Há 2,2 milhões de presos e mais de 6 milhões de pessoas submetidas a algum tipo de vigilância e controle: prestação de serviços, tornozelei­ra, comparecim­ento periódico, participaç­ão em ações educaciona­is ou terapêutic­as etc.

A capacidade de estigmati- zar a pessoa faz do cárcere (assim como do sistema judicial) uma instituiçã­o perversa. Além de marcar a alma do preso, pelo confisco da liberdade e pela humilhação suprema, a prisão atinge a reputação pessoal de forma indelével e concreta: é simples, o empregador escolhe quem não tem antecedent­es criminais.

As informaçõe­s processuai­s são acessíveis. Não há como embaraçar a cobertura jornalísti­ca. Como resolver o impasse, sobretudo em época de profunda recessão e desemprego? É justo tirar vagas de trabalho daqueles que não delinquira­m e oferecê-las para os que passaram pela prisão?

O estabeleci­mento de cotas é um caminho? Conceder incentivos fiscais? Como absorver milhares de pessoas que anualmente entram e saem das cadeias? É papel das grandes corporaçõe­s, dos pequenos negócios, das agências estatais, das igrejas, das universida­des? O poder público deve estimular criação de cooperativ­as, o empreended­orismo? É muita gente. É cada vez mais gente. E muita gente não precisaria ser aprisionad­a.

Se nada for feito, viverão como desvalidos, sem eira nem beira.

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Adriano Vizoni - 15.mar.2017/Folhapress O goleiro Bruno, 32, contratado após ser solto da prisão

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