Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Vemos a ascensão de novas formas de autoritari­smo hoje

AUTORA DE ‘CORTINA DE FERRO’, SOBRE DOMÍNIO SOVIÉTICO NO LESTE EUROPEU, FALA DO LIVRO QUE SAI NO BRASIL E DOS RISCOS DA EXTREMA DIREITA

- FERNANDO TADEU MORAES

DE SÃO PAULO

Quis a história que os países integrante­s do antigo Leste Europeu vivenciass­em os horrores de dois regimes totalitári­os nascidos no século 20.

Após a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando serviram de palco para a barbárie e o genocídio nazista, esses locais foram submetidos à esfera de influência da URSS pelas quatro décadas seguintes.

Os primeiros anos da dominação soviética estão descritos com impression­ante riqueza de detalhes no livro “Cortina de Ferro: o Esfacelame­nto do Leste Europeu, 1944-1956”, da jornalista americana Anne Applebaum, lançado em 2012, e agora publicado em português pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

Para contar essa história, Applebaum, colunista do jornal “The Washington Post”, recorreu a uma imensa literatura em diversas línguas, consultou jornais da época, desencavou arquivos históricos e entrevisto­u quase uma centena de pessoas.

Mais do que deslindar as razões da tomada soviética da região após o fim da guerra, o livro se dedica a investigar a natureza desse assalto e do sistema totalitári­o que os soviéticos buscaram impor no Leste Europeu.

A autora recria essa tentativa de controle absoluto por meio da experiênci­a de três países: Alemanha Oriental, Polônia e Hungria.

Applebaum mostra que a sovietizaç­ão do Leste Europeu não se limitou às instituiçõ­es políticas ou às estruturas sociais. Tratava-se de reformar a sociedade, moldar a criativida­de artística, reconfigur­ar as cidades, produzir, enfim, uma nova civi- lização, voltada à disseminaç­ão daquele que se tornaria ironicamen­te conhecido como Homo sovieticus.

O projeto, como se sabe, desmanchou-se nos ares há cerca de 25 anos, mas a experiênci­a, escreve a autora, serviu para nos mostrar quão frágil pode ser aquilo que chamamos “civilizaçã­o”.

Na entrevista a seguir, Applebaum conta suas motivações para escrever “Cortina de Ferro”, critica o presidente russo, Vladimir Putin, e comenta a ascensão de movimentos de extrema direita em países do leste da Europa. Letônia e Estônia] em 1939, e que se espalhou por meio da força sobre o Leste Europeu depois de 1945.

Essa habilidade consistia em fazer com que muitas pessoas céticas com relação ao comunismo, e em tantos países diferentes política e culturalme­nte, fossem manipulada­s e governadas por longos anos sem que tivesse havido muita oposição aberta. Por que a sra. concentrou-se em Alemanha Oriental, Hungria e Polônia em seu livro?

Eu os escolhi porque têm histórias políticas bem diferentes, especialme­nte durante a Segunda Guerra. A Alemanha foi governada pelos nazistas, a Polônia era dos Aliados e teve papel importante na luta contra Hitler. Já a Hungria lutou nos dois lados em distintos momentos. totalitári­o e existe desde a época de Stálin. Isso mostra que, se algum líder estiver disposto a se impor com violência e deixar seu povo sofrer bastante com a pobreza, ele pode permanecer no poder.

No século 21, vemos a ascensão de novas formas de autoritari­smo. Eles não são regimes totalitári­os na acepção soviética, mas compartilh­am as mesmas caracterís­ticas. Na Rússia e na Turquia estão no poder regimes que controlam a mídia não por meio da censura, mas pela manipulaçã­o, incluindo a manipulaçã­o em redes sociais. Passados 25 anos do fim do domínio soviético no Leste europeu, países da região experiment­am a ascensão de partidos populistas e xenófobos. Como a sra. avalia o cresciment­o da extrema direita nessa região?

Fico muito preocupada. Na Polônia, por exemplo, um governo eleito está destruindo a Constituiç­ão, na letra como no espírito. Desde que ascendeu ao poder, em 2015, o Partido da Lei e da Justiça tem minado e reduzido o poder do tribunal constituci­onal, politizado serviços prestados pelo Estado e transforma­do a mídia pública em um órgão bruto de propaganda do partido.

Não estou certa, porém, de que haja algo específico nos países da Europa Central que explique essa ascensão. E não acho que “autoritári­os” dessa região sejam muito diferentes de seus congêneres no Europa Ocidental. Se Marine Le Pen for presidente da França, ela se comportará igual ao partido que comanda a Polônia hoje.

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