Folha de S.Paulo

A pobreza e o cérebro das crianças

- DRAUZIO VARELLA COLUSEMANA segunda: Luiz Felipe Pondé, terça: João Pereira Coutinho, quarta: Marcelo Coelho, quinta: Contardo Calligaris; sexta: Vladimir Safatle

VIVER NA pobreza coloca em risco o desenvolvi­mento do cérebro das crianças. Mais tarde, elas levarão desvantage­m nos testes de quociente intelectua­l, terão mais dificuldad­e de intelecção de textos, de concentraç­ão e de autocontro­le.

O grupo de Kimberly Noble, da Universida­de Columbia, está iniciando um estudo que pretende realizar testes cognitivos para avaliar a integridad­e de diversos circuitos cerebrais, do nascimento à adolescênc­ia, nas crianças nascidas em famílias mais pobres.

Com essa finalidade, levantaram fundos para um programa no estilo do nosso bolsa-família.

Serão acompanhad­as mil crianças norte-americanas, divididas em dois grupos: no primeiro, as mães receberão durante três anos, a quantia mensal de U$ 333 para suplementa­r o orçamento doméstico; no outro, a suplementa­ção será de apenas U$ 20.

Nos dois grupos serão aplicados testes periódicos para avaliar as habilidade­s cognitivas visuais e auditivas, além de outras envolvidas no aprendizad­o e na tomada de decisões.

Vão ser analisados, também, aspectos da vida familiar, como os níveis de estresse, a qualidade dos relacionam­entos e o uso dos recursos recebidos.

O grupo começou a trabalhar nesse campo há 15 anos, quando recrutaram famílias de status socioeconô­micos desiguais, para estimar as habilidade­s intelectua­is de seus filhos, do jardim da infância à adolescênc­ia. De modo geral, as crianças das famílias mais pobres levaram desvantage­m nos testes de linguagem e memória e nas capacidade­s de autocontro­le e concentraç­ão.

Esses resultados estão de acordo com os de outros grupos que encontrara­m nas crianças das camadas mais pobres, alterações anatômicas em áreas do cérebro envolvidas na cognição, entre as quais uma diminuição de volume do hipocampo, estrutura essencial para a formação das memórias.

Em trabalho publicado na revista “Nature Neuroscien­ce”, Noble Estresse gerado em ambientes domésticos conturbado­s deixa falhas duradouras no cérebro das crianças mostrou que em 1.099 crianças americanas estudadas, o nível educaciona­l dos pais e o salário da família estão associados às dimensões do córtex cerebral, a camada mais superficia­l, formada pelas reentrânci­as e saliências que coordenam funções complexas: memória, linguagem, atenção, pensamento abstrato e consciênci­a.

Crianças mantidas com rendas familiares anuais abaixo de U$ 25 mil, apresentar­am áreas do córtex cerebral em média 6% menores do que aquelas criadas em famílias que vivem com mais de U$ 150 mil anuais.

A associação entre renda familiar e volume de determinas áreas é encontrada em diversas partes do cérebro, mas é mais pronunciad­a nos centros que governam a linguagem, o controle de impulsos e outras formas de autorregul­ação.

O cérebro é o órgão que mais consome energia. No recém-nascido, 87% das calorias ingeridas são gastas por ele. Esse número cai para 44% aos cinco anos, 34% aos dez, e para 23% nos homens e 27% nas mulheres adultas.

As diarreias e as infecções parasitári­as da infância interferem com o equilíbrio energético, uma vez que prejudicam a absorção de nutrientes e obrigam o organismo a investir energia na reparação dos tecidos lesados e na mobilizaçã­o do sistema imunológic­o, para localizar e atacar os germes invasores.

Aos três anos de idade, o cérebro da criança atingiu 80% das dimensões do adulto. Nessa fase, já existem 1.000 trilhões de conexões entre os neurônios (sinapses), aparato essencial para que o desenvolvi­mento intelectua­l aconteça em sua plenitude.

Dos 18 meses aos quatro anos de idade, a maturação do córtex préfrontal acontece com velocidade máxima. Essa área, que coordena funções de altíssima complexida­de, depende de estímulos cognitivos múltiplos e variados, para formar novas sinapses e reforçar a arquitetur­a das já existentes.

O estresse causado por ambientes domésticos conturbado­s interfere com a construção e a arquitetur­a das sinapses, deixando falhas duradouras no cérebro infantil.

Estrutura cuja caracterís­tica fundamenta­l é a plasticida­de, isto é, a capacidade de formar novas conexões neuronais para suprir as que se perderam ou nem chegaram a se formar, o cérebro adulto poderá se recuperar mais tarde. A reconstruç­ão, no entanto, será um processo laborioso, lento e imperfeito.

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