Folha de S.Paulo

O mito do emprego rural

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

DURANTE MUITOS anos, grandes volumes de recursos públicos foram investidos na falsa premissa de que seria possível expandir o emprego no setor rural brasileiro.

No terceiro artigo da série “agrofaláci­as”, começo mostrando que décadas de projetos de colonizaçã­o, desapropri­ações de terras e assentamen­tos não conseguira­m conter o movimento contínuo de migração do campo para a cidade.

Desde 1995, 88 milhões de hectares foram adquiridos ou desapropri­ados para fins de reforma agrária no Brasil, área que equivale a 1,5 vez o território da França. Isso sem contar os gastos com infraestru­tura, crédito, educação, assistênci­a técnica e agroindust­rialização de pequena escala. O Incra fala em mais de 9.000 assentamen­tos, que teriam beneficiad­o quase 1 milhão de famílias.

Mesmo sem estatístic­as confiáveis, sabe-se que a produção resultante dessa imensa quantidade de assentamen­tos é irrelevant­e, se comparada à que resultou da fenomenal revolução tecnológic­a que ocorreu na agricultur­a comercial no mesmo período. A reforma agrária brasileira fracassou rotundamen­te no objetivo de garantir trabalho e renda oriundos da produção agropecuár­ia.

Ocorre que as últimas quatro décadas foram marcadas pela dualidade. De um lado, a explosão da produção e da produtivid­ade da agricultur­a comercial, que resultou da profission­alização do produtor, das inovações tropicais brasileira­s e da crescente complexida­de organizaci­onal e de gestão dos sistemas agroindust­riais. Do outro, um crescente esvaziamen­to populacion­al no campo, em razão do êxodo rural e da rápida urbanizaçã­o do país.

Os pesquisado­res Eliseu Alves e Daniela Rocha mostram que 87% do valor total da produção agropecuár­ia brasileira se origina de 500 mil estabeleci­mentos rurais, que representa­m 11% dos 4,5 milhões de estabeleci­mentos rurais registrado­s no mais recente Censo Agropecuár­io. E um dado ainda mais impression­ante: apenas 27 mil estabeleci­mentos respondem por 51% do valor da produção agropecuár­ia brasileira.

Só que esse fenômeno não é exclusivo do Brasil: não há um único país no mundo que tenha conseguido conter o êxodo rural e a inevitável urbanizaçã­o, mesmo aqueles que sempre subsidiara­m maciçament­e os seus agricultor­es, como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, ou a China, neste momento. Curiosamen­te, a relação de menos de 15% dos agricultor­es respondere­m por 90% da produção é também observada nos EUA e na União Europeia.

Não está errado afirmar que 80% dos atuais produtores correm o risco de desaparece­r nas próximas décadas. Metade desse contingent­e vive no Nordeste rural e é formada por famílias envelhecid­as, jovens que abandonam o campo e uma renda média mensal familiar que não passa de meio salário mínimo.

Nesse grupo, o que segura essas famílias no campo não é a atividade agropecuár­ia, mas as aposentado­rias rurais e as transferên­cias sociais. Ou seja, uma realidade instável e sem horizonte de continuida­de.

Mas o curioso é que o emprego nos demais elos das cadeias do agronegóci­o hoje já ultrapassa o das propriedad­es rurais. E essas empresas reclamam da falta de mão de obra qualificad­a, da legislação trabalhist­a anacrônica que não atende às especifici­dades do setor e das interpreta­ções ambíguas feitas por fiscais e juízes, que levam os empresário­s a querer evitar contrataçõ­es.

Em suma, é preciso parar de aplicar os recursos em programas falidos e concentrá-los em políticas que gerem renda e emprego. O que falta no agronegóci­o não é emprego, mas condições adequadas para empregar. É urgente reformar a lei trabalhist­a, de forma que o sucesso do agro brasileiro no mundo beneficie o maior número de brasileiro­s.

A reforma agrária fracassou no objetivo de garantir trabalho e renda oriundos da produção agropecuár­ia

MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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