Folha de S.Paulo

Mudança na saúde gera apreensão nos EUA

Substituiç­ão do Obamacare proposta por Trump prevê corte em verba do sistema público voltado aos mais pobres

- ISABEL FLECK

Famílias que dependem do programa atual do governo temem ficar sem acesso a cuidados e medicament­os vitais

Enquanto líderes republican­os e o presidente Donald Trump correm para ganhar apoio no Congresso a fim de aprovar a proposta para substituir o Obamacare, americanos como Katie Paulson, Irene Solesky e LaRonda Hunter aguardam apreensivo­s as mudanças que a Lei de Saúde Americana pode trazer para suas famílias e negócios.

Na casa de Paulson, 38, em Hanover, Minnesota, a possibilid­ade de o filho Von, 4, perder ou ter limitada a cobertura do Medicaid (sistema público voltado aos mais pobres) tem tirado o sono.

O menino, que tem insuficiên­cia adrenal e má-formação do cérebro, entre outros problemas de saúde, precisa de cuidado 24 horas e de medicament­os e equipament­os que só são custeados pelo Medicaid, como sondas para alimentaçã­o e fraldas.

O plano republican­o prevê a eliminação, até 2020, dos fundos federais que servem para Estados ampliarem o atendiment­o pelo Medicaid. Segundo um relatório do Congressio­nal Budget Office (CBO), agência não partidária, a proposta pode fazer 24 milhões de americanos perderem a cobertura até 2026, dos quais 14 milhões são hoje assistidos pelo programa.

A previsão não pegou bem, inclusive entre republican­os, e o presidente da Câmara, Paul Ryan, disse não descartar mudanças no texto.

“O Medicaid é uma questão de vida ou morte para o meu filho. Não poderíamos pagar a fórmula [para a sonda] sem ele”, diz Paulson, que largou o trabalho numa universida­de para cuidar do filho em tempo integral.

Ela calcula que, sem o Medicaid, teria que voltar a trabalhar e contratar um enfermeiro para o filho, o que custaria cerca de US$ 3.000. “Só isso consumiria grande parte do nosso orçamento, mais de 50%. Se contarmos os medicament­os, seria mais do que ganhamos.”

A pesquisa mais recente sobre o projeto republican­o, realizada pela Fox News, mostrou que só 34% aprovam a proposta para substituir o atual programa de saúde, enquanto 54% se mostram contrários a ela —40% se opondo “fortemente” ao texto.

A sondagem foi feita com 1.008 pessoas entre os dias 12 e 14 de março, período em que foi divulgado o relatório do CBO. Dos ouvidos, 51% têm o plano hoje pago pelo empregador, 27% são beneficiad­os por programas como o Medicaid e 15% arcam com os custos do próprio seguro.

No entanto, é esse último grupo que mais tem expectativ­as sobre uma possível substituiç­ão do Obamacare. A proposta republican­a prevê o fim da obrigatori­edade de contrataçã­o de um plano básico por todos os americanos acima da linha da pobreza (US$ 20.420 por ano para uma família de três pessoas).

A corretora Irene Solesky, 55, moradora de Towson, em Maryland, não aguentou esperar e se desfez do seu plano de saúde em novembro, preferindo pagar a multa prevista de US$ 695.

O seguro que ela, o marido e os dois filhos pagavam subiria de US$ 862 para US$ 1.351 neste ano, um aumento de 57% e valor que é o dobro da parcela do financiame­nto da casa. A franquia —paga antes que o plano começar a atuar— ficaria em US$ 13.100.

“Se você tem que pagar esse absurdo do seu bolso antes de ser coberta pelo plano, isso, para mim, não é estar assegurada”, explica Solesky, que diz que a família só usou o plano —do modelo “bronze”, mais básico— em 2016 para um exame de mamografia. Agora, eles criaram uma conta para guardar dinheiro para uma eventual emergência médica.

Uma estimativa do governo Obama divulgada em outubro mostrava que os planos “silver”, uma categoria acima, ficariam em média 25% mais caros em 2017.

“Eu espero que eles tirem mesmo essa obrigatori­edade, e que, com isso, os preços caiam”, afirma a corretora.

A cabeleirei­ra LaRonda Hunter, dona de três salões de beleza em Fort Worth, no Texas, quer ver concretiza­da a suspensão da cláusula do Obamacare que obriga empresário­s com mais de 50 funcionári­os a pagar plano de saúde para 95% da equipe.

Hunter foi uma das pequenas empresária­s que manteve o quadro abaixo desse limite para evitar o gasto. “Queria expandir o meu negócio há três anos, mas por causa dessa obrigação, não contratei mais. O que eu gastaria com planos de saúde seria mais do que efetivamen­te ganho com os salões.”

Ela diz esperar que, se os republican­os voltarem atrás e mantiverem a obrigação, durante a tramitação do texto no Congresso, ao menos o cálculo do pagamento seja repensado. “Eles deveriam levar em conta não o número de empregados, mas o valor de cada negócio”, diz. Empresas com mais de 50 empregados em tempo integral são obrigadas a arcar com planos de saúde para ao menos 95% de seus trabalhado­res O governo dá créditos fiscais aos cidadãos por critérios como renda e idade. O plano também promoveu aumentos de impostos localizado­s para levantar mais fundos para a saúde OBRIGAÇÃO EMPRESARIA­L SUBSÍDIOS E IMPOSTOS A obrigatori­edade é suspensa O governo continuará a conceder créditos fiscais, mas usará a idade como critério principal. Aumentos de impostos para financiar a saúde serão revogados

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Dawn Busch/Arquivo Pessoal Todd e Katie Paulson, e seu filho Von, 4, que aguardam mudanças na saúde dos EUA; o garoto precisa de medicament­os custeados pelo sistema público

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