Folha de S.Paulo

Com restaurant­es, Coreia do Norte tenta ganhar ‘soft power’

Rede tem 130 unidades em nove países e oferece comida típica; imprensa sul-coreana acusa regime de usar cafés para lavar dinheiro

- IGOR GIELOW

Não é só de retórica belicista, testes de mísseis e explosões nucleares que vive a propaganda da ditadura de Kim Jong-un. A Coreia do Norte também tem sua peculiar versão de “soft power”, a projeção de poder e influência por meios que não a força bruta.

No caso, o regime comunista tenta te ganhar pelo estômago em uma das filiais do Café Pyongyang, rede de restaurant­es típicos coreanos tocada pelo país, cujo nome homenageia a sua capital.

A Folha visitou, no fim do ano passado, a unidade de Vladivosto­k, no Extremo Oriente russo. É uma experiênci­a algo decepciona­nte para quem espera ser atendido por pessoal em uniforme militar enquanto aprecia quadros dos “queridos líderes” com slogans comunistas.

Nada disso: o lugar tem decoração kitsch, com plantas de plástico simulando um ar tropical, luzes piscando, murais com paisagens idílicas e dragões em relevo.

As garçonetes envergam vestidos coloridos e brilhantes, são eficazes e proibidas de falar qualquer coisa além do essencial com clientes (em coreano, russo ou inglês).

Segundo moradores da cidade russa, elas são norte-coreanas que vivem em regime análogo ao da escravidão e são passíveis de punição se resolverem socializar.

Mas cantam. Há um karaokê ao lado do balcão e, mesmo quando a reportagem lá esteve sozinha, uma delas virou-se de costas e soltou a voz acompanhan­do um ritmo que poderia ser descrito como “Beethoven encontra tecno e música tradiciona­l coreana”.

No que interessa, o Pkhenian (seu nome em russo) não desaponta nem brilha. Pratos tradiciona­is, o bibimpab (mexido com arroz) e o kimchi (vegetais fermentado­s e temperados), estavam corretos.

Juntos, custavam 730 rublos (cerca de R$ 40), menos do que em outras das inúme- ras casas coreanas de Vladivosto­k. A cerveja, por 350 rublos (R$ 19) o copo de 500 ml, vinha em opções russa, japonesa, alemã e sul-coreana.

A nota sombria era o sujeito de terno escuro que de tempos em tempos chegava ao balcão para aparenteme­nte dar bronca nas garçonetes. Segundo moradores, ele é do serviço secreto e gerencia o lugar.

Existem cerca de 130 casas da rede, mais de 100 delas na China e em oito países. Além de “soft power”, diz a imprensa sul-coreana, a rede lavaria dinheiro. Cada unidade renderia mais de US$ 100 mil mensais, repatriaçã­o de ativos no exterior para membros do regime.

 ?? Igor Gielow/Folhapress ?? Garçonete se prepara para cantar em café em Vladivosto­k
Igor Gielow/Folhapress Garçonete se prepara para cantar em café em Vladivosto­k

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil