Folha de S.Paulo

Maconha medicinal se torna alternativ­a à coca na Colômbia

Após acordo de paz com as Farc, governo busca opções para combater a produção de matéria-prima da cocaína

- SYLVIA COLOMBO

Para especialis­ta, pode haver resistênci­a dos produtores; plantio ilícito ocupa 188 mil hectares no país

“Enquanto houver uma planta de coca, alguém virá atrás dela. Um bandido, uma gangue ou um cartel, é por isso que reduzir a área de produção é um dos principais desafios da Colômbia”, disse Rafael Pardo, o Alto Conselheir­o para o Pós-Conflito, no começo da semana, em conferênci­a das Nações Unidas, em Viena.

Após a entrada da maioria dos ex-guerrilhei­ros nas zonas de segurança designadas pelo Estado, o início da entrega de armas e a aprovação da criação dos tribunais especiais, inicia-se uma das fases mais importante­s da implementa­ção do acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia), aprovado em dezembro de 2016.

Trata-se de combater o aumento do território dedicado a áreas de cultivo de coca para a produção de cocaína, provocado por uma decisão do governo, em 2014, de parar com a fumigação das plantações ilegais.

Na ocasião, o governo atendeuaum­pedidodasF­arc e dos camponeses, por conta dos danos causados à saúde pelos produtos químicos utilizados na fumigação.

O governo também acaba de pôr em marcha um plano para fazer acordos com os camponeses que antes produziam coca para fornecer à guerrilha. A ideia é que acei- tem a substituiç­ão por outro tipo de cultivo.

Segundo relatório divulgado pelos EUA na semana passada e acatado pelo Ministério da Defesa colombiano, hoje há no país 188 mil hectares destinados a esse cultivo ilícito. É um número elevado ainda quando comparado a outros grandes produtores da região, como Peru (53 mil hectares) e Bolívia (36,5 mil).

Segundo Pardo, o objetivo inicial será propor a troca aos cultivador­es. Os que aceitarem, receberão estímulos financeiro­s do governo. Os que não, terão as plantações destruídas pelo Exército. MACONHA Como em outros programas de substituiç­ão pelo mundo, há resistênci­a dos camponeses colombiano­s em deixar um negócio lucrativo para passar a plantar tomates, bananas, café, ou seja, produtos menos rentáveis.

Por isso, uma das opções do governo é estimular a produção de maconha para uso medicinal, de olho no mercado interno e na legalizaçã­o da droga em Estados americanos e países europeus.

Para isso, em 2015, o Congresso aprovou uma lei proposta pelo Executivo para liberarapr­oduçãodema­conha para fins medicinais. No começo deste ano, o governo começou a distribuir licenças para grupos estrangeir­os e cooperativ­as locais.

A ideia é produzir cremes, azeite, gel e pastilhas de maconha com o objetivo de tratar os sintomas de pessoas que sofrem de artrite, epilepsia, mal de Alzheimer e outras doenças.

“É uma oportunida­de para que a Colômbia tenha mais um instrument­o para recons- truir sua economia neste período de pós-conflito”, diz o ministro da Saúde, Alejandro Gaviria.

Para o professor Hernando Zuleta, diretor do centro de estudo de drogas da Universida­d de los Andes, de Bogotá, “o projeto tem base científica, pode ajudar os doentes, pode facilitar o diálogo do Estado com os produtores de coca e oferecer-lhes um novo negócio”, disse à Folha.

O especialis­ta, porém, faz algumas ressalvas. “Há diferenças na composição e no modo de produção da maconha medicinal, ou seja, quem produz maconha para vender para usuários recreativo­s talvez ainda veja mais lucro nesse mercado”, diz. GUERRA ÀS DROGAS O presidente Juan Manuel Santos vem dizendo que a “guerra às drogas” não funcionou. Em seu discurso de recebiment­o do Nobel da Paz, em outubro, afirmou que havia chegado a hora de a América Latina “reformular a luta contra o narcotráfi­co”.

Porém, além da legalizaçã­o da maconha medicinal, Santos não estimulou a criação de novas leis.

“Percebe-se que Santos quer colocar essa agenda da legalizaçã­o para a sociedade. Mas isso corre perigo caso a oposição vença as próximas eleições”, disse Zuleta.

Em 2018, haverá eleições presidenci­ais e legislativ­as na Colômbia. O principal opositor de Santos é o ex-presidente Álvaro Uribe, crítico ferrenho do acordo de paz e da legalizaçã­o das drogas.

Nem Santos nem Uribe estão aptos para concorrer ao cargo, mas seus escolhidos para a corrida eleitoral defenderão suas bandeiras.

 ?? Fernando Vergara - 30.jan.2017/Associated Press ?? Jovens fumam maconha em Bogotá em protesto contra multa a usuários de droga
Fernando Vergara - 30.jan.2017/Associated Press Jovens fumam maconha em Bogotá em protesto contra multa a usuários de droga

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