Folha de S.Paulo

Falácias previdenci­árias

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

LAURA CARVALHO, minha colega que ocupa este espaço às quintasfei­ras, criticou diversos aspectos da reforma da Previdênci­a que o presidente Temer enviou ao Congresso.

Segundo Laura, “quanto aos efeitos da reforma proposta, seu impacto é mesmo maior sobre quem começou a trabalhar mais cedo e nas piores condições. Afinal, nos centros urbanos, a aposentado­ria por idade já é de 63,1 anos em média, um patamar próximo ao dos países desenvolvi­dos”.

Laura não notou que a aposentado­ria por idade ocorre somente para as pessoas mais pobres que se aposentam pelo salário mínimo, em geral na zona rural. Uma grande parte dos benefícios nas cidades é concedida por tempo de contribuiç­ão. A idade média de concessão do benefício por tempo de contribuiç­ão foi, em 2015, de 55 anos.

Adicionalm­ente, o benefício médio da aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão é o dobro da aposentado­ria por idade. Não é claro que a reforma aumente a desigualda­de, já que ela afeta a aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão, que são os maiores benefícios.

De acordo com Laura, “entender a idade mínima exigida como uma simples convergênc­ia para o padrão de países da OCDE é ignorar que na França, por exemplo, onde a idade de aposentado­ria já é de 65 anos, a expectativ­a de vida da população supera os 82. No Brasil, a expectativ­a média é de 75 anos, e, nas áreas rurais, muito menos”.

Laura emprega a expectativ­a de vida ao nascer para discutir a Previdênci­a. Não faz sentido. A menor expectativ­a de vida ao nascer no Brasil em comparação aos países da OCDE deve-se basicament­e à maior mortalidad­e infantil e à maior violência, que vitimiza principalm­ente homens jovens. O tempo de sobrevida para as pessoas que chegaram aos 60 anos é no Brasil praticamen­te igual ao valor europeu: 21, ante 22 anos na Europa (estimativa da ONU).

A reforma prevê transição de 20 anos. Em 20 anos, essa diferença de expectativ­a de sobrevida será ainda menor.

Ou seja, Laura defende que o gasto com Previdênci­a seja maior no Brasil, pois temos valores maiores de mortalidad­e infantil e problemas com criminalid­ade. Não faz sentido. O gasto previdenci­ário cresceu de 51% da despesa total em 2000 para 58% em 2016. Essa política acaba por reduzir o orçamento disponível para saúde, saneamento básico e segurança.

A diferença de sobrevida aos 60 ou 65 anos entre os Estados da Federação brasileira e entre a zona rural e urbana no Brasil também é muito baixa. Expectativ­a de vida aos 65 anos não muda muito em diferentes áreas do território nacional.

Laura aponta que o problema é o desemprego. É verdade que o desemprego está elevado. No entanto, o gasto previdenci­ário como proporção do PIB cresce há décadas.

As projeções que indicam forte aumento do gasto como proporção do PIB nas próximas décadas supõem condições normais de funcioname­nto do mercado de trabalho. Não é daí que segue o resultado. São as regras de elegibilid­ade ao benefício que produzem a forte elevação do gasto.

Como apontei no domingo passado, gastamos com Previdênci­a 13% do PIB. Esse gasto é o triplo daquele de países com a mesma demografia que a nossa. E vai crescer para 22% nas próximas décadas. O gasto é exagerado sob qualquer critério.

A aposentado­ria por idade ocorre somente para as pessoas mais pobres que se aposentam pelo mínimo

SAMUEL PESSÔA,

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