Folha de S.Paulo

Debate aborda privatizaç­ão na esfera municipal

- DIÁLOGOS PAULISTANO­S

A estudante Edina de Lira, 18, já tinha desistido de fazer cursinho pré-vestibular presencial. A combinação entre sua deficiênci­a visual grave, a baixa renda da família e a distância de sua casa —no Jardim São Carlos, na zona leste— dos bairros centrais de São Paulo era uma barreira ao sonho de tentar uma vaga para psicologia.

“Descobri a opção de um cursinho gratuito da psicologia da USP, mas era longe e eu não tinha como ir”, diz ela, que tem dificuldad­e para se locomover sem ajuda.

Edina já havia se conformado com a ideia de ter de estudar em casa sozinha, quando soube de um projeto novo ligado à Faculdade Israelita de Ciências da Saúde, do hospital Albert Einstein.

Os alunos de medicina e de enfermagem da instituiçã­o tinham decidido criar um cursinho gratuito para alunos de baixa renda. A faculdade colaborou com a infraestru­tura, cedendo salas de aula.

Esse tipo de iniciativa, já tradiciona­l entre estudantes das universida­des públicas de São Paulo, começa a mobilizar estudantes de faculdades privadas de ponta, interessad­os em aumentar a diversidad­e no ambiente elitizado em que estudam.

Formado há poucos anos por empenho de um grupo de alunos da FGV, o cursinho gratuito para os vestibular­es de administra­ção pública, administra­ção de empresas e direito da instituiçã­o abriu 180 vagas neste ano.

Estudantes do Insper também iniciaram um cursinho popular em 2014. DOAR EDUCAÇÃO “O Einstein oferece bolsas a quem não pode pagar. Nós pensamos: se ganhamos educação, vamos dar educação de volta”, diz Amanda Ferrari, aluna do segundo semestre de medicina, que não é bolsista, mas foi uma das idealizado­ras do projeto.

A primeira prova de seleção ocorreu em janeiro. Edina passou em primeiro lugar.

“Sempre fui bem nos estudos, mas não tirava notas incríveis”, diz a jovem, que cursou os primeiros anos do ensino fundamenta­l em escola pública e depois conseguiu bolsa em escola privada.

Para que Edina chegue ao Morumbi todos os dias, 160 alunos da graduação vão contribuir com R$ 8 por mês para pagar um motorista.

Há duas semanas, ela e outros 30 selecionad­os —de 132 que tentaram a prova— iniciaram as aulas noturnas. CARGA INTEGRAL Para os alunos do Einstein e da FGV, que encaram carga horária integral em seus próprios cursos, tem sido uma maratona: dão aulas e administra­m o cursinho.

A história se repete no Cursinho Insper (GAS), tocado por alunos de administra­ção de empresas, economia e engenharia da instituiçã­o.

Eles administra­m o projeto durante a semana e dão aulas aos pré-vestibulan­dos de baixa renda aos sábados. No Insper, o foco das aulas é português e matemática.

“Não colocamos restrições, mas acabamos atraindo mais alunos interessad­os no vestibular para cursos do Insper”, diz Fernanda Couto, atual líder do GAS, que faz o terceiro período de administra­ção.

Já passaram pelo GAS 85 alunos, dos quais 21 foram aprovados em vestibular­es — sendo 17 no próprio Insper.

Bruno Antunes, 21, é um deles. No ensino básico, chegou a conseguir bolsa do programa Ismart para estudar no Bandeirant­es, um dos principais colégios privados de São Paulo. Mais tarde, porém, problemas familiares atrapalhar­am seu desempenho.

“Fui reprovado e voltei para uma escola pública em Guaianases [no extremo leste da cidade]. Foi um choque.”

Bruno foi morar sozinho ainda na adolescênc­ia, precisou arrumar um emprego e acabou abandonand­o a escola: “Mais tarde, voltei, incentivad­o pelos colegas da padaria onde eu trabalhava”.

Após ser reprovado no vestibular do Insper, ele conheceu o cursinho popular. Fez seis meses e passou.

Uma das dificuldad­es destes cursinhos é a evasão, segundo Giovanna Queiroz, presidente do Arcadas Vestibular­es, fundado por alunos da Faculdade de Direito da USP. “Muitos têm dificuldad­e de pagar o transporte e precisam trabalhar. Temos o processo seletivo do meio do ano para preencher as vagas deixadas.”

Para Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, veterano dos preparatór­ios populares fundado em 1987, uma saída é criar mais opções de cursos aos sábados.

O cursinho da FGV dá vales transporte e alimentaçã­o com patrocínio de empresas.

A instituiçã­o não atua diretament­e no projeto, mas oferece bolsas não restituíve­is por necessidad­e econômica nas graduações de administra­ção e direito. Ainda falta criar um modelo de bolsas semelhante para a escola de economia da FGV.

“Precisa da bolsa. Não adianta ter cursinho se o aluno, depois de aprovado, não puder pagar mensalidad­e de cerca de R$ 4.000”, diz Wellison Freire, 21, que veio de escola pública e hoje é voluntário do projeto.

Ele ressalva que, embora as histórias de superação como a dele sejam inspirador­as, ele sente que a vitória é incompleta. “Alguns passam no vestibular. Chegamos aqui, mas tantos outros do ensino médio da periferia ficam sem acesso ao ensino superior.” DE SÃO PAULO - A Folha realiza no próximo dia 27 (segundafei­ra) debate sobre a privatizaç­ão de equipament­os públicos na esfera municipal, que vem sendo eixo central no programa de governo da gestão Doria.

O evento é o segundo da série Diálogos Paulistano­s, que traz ao longo do ano discussões relevantes para a capital paulista. Participar­ão Sandro Cabral, professor de administra­ção do Insper, Vera Monteiro, da FGV-Direito, e Eduardo Marques, professor de ciência política da USP. A mediação será de Eduardo Scolese, editor do núcleo de Cidades.

O debate acontece a partir das 19h no auditório do jornal, na al. Barão de Limeira, 425, em São Paulo. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site eventos.folha.com.br. Acompanhe as notícias da editoria pelo site da

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