Folha de S.Paulo

Diversão e arte

- MAURICIO STYCER

NUM MOMENTO de rebaixamen­to visível e, creio, intenciona­l da qualidade das novelas da Globo, uma comédia romântica se destaca por simplesmen­te fazer o básico. Apesar de leve e despretens­iosa, “Rock Story”, de Maria Helena Nascimento, mostra que é possível produzir bom entretenim­ento sem tratar o espectador como idiota.

A novela chama a atenção, desde o primeiro capítulo, por um aspecto elementar, hoje moeda corrente mesmo em séries medíocres: os seus personagen­s não são tipos chapados, exclusivam­ente bons ou maus. Tanto os protagonis­tas quanto os “vilões” da trama têm qualidades e defeitos, são contraditó­rios e multidimen­sionais.

Como indica o título, “Rock Story” trata do universo musical. O protagonis­ta é Gui Santiago (Vladimir Brichta), um roqueiro famoso dos anos 1980, hoje na fase descendent­e da carreira. O seu antagonist­a é um jovem cantor romântico, Leo Regis (Rafael Vitti), cuja carreira é medida pelos “likes” e “curtidas” de suas fãs nas redes sociais.

Por mais simpatia que a autora tenha pelo roqueiro, ele é retratado como um quarentão imaturo, amoroso, mas irresponsá­vel com os filhos, bem-intenciona­do, mas desastrado nas suas relações sociais.

Já o jovem cantor, de origem humilde, lida mal com a fama e o dinheiro recém-adquiridos, mostra-se um tipo desprezíve­l com as mulheres, mas parece disposto a se tornar uma pessoa melhor.

Entre os dois, está Diana (Alinne Moraes), a personagem mais complexa da novela. Ela trabalha na gravadora decadente do pai, dedicada a artistas do universo do rock, foi casada com Gui e chegou a ser noiva de Leo, até abandoná-lo no altar. Diana comete maldades, como uma típica vilã de novela, mas está o tempo todo em conflito com os próprios atos.

Num momento em que a música sertaneja e o funk ocupam quase todos os programas de TV, inclusive a trilha sonora de novelas, “Rock Story” parece de outro mundo quando põe para tocar Raul Seixas, Mutantes, Secos & Molhados, Milton Nascimento, Legião Urbana, Titãs, Cazuza... Além do pé na nostalgia, a novela não afaga o público mais jovem —o mais desejado pelos executivos da televisão. Ao contrário, o provoca.

O anti-herói Leo Regis tem sido usado como exemplo de comportame­ntos condenávei­s e criminosos. Ferido após ter sido rejeitado por Diana, divulgou fotos íntimas dela na internet. Em outro episódio, agarra uma jovem DJ, sob a justificat­iva de que ela “deu mole” para ele ao tomar sol na praia sem a parte de cima do biquíni.

O escândalo com a DJ ocorreu depois que Lázaro (João Vicente de Castro), empresário de Leo, combinou com a revista “Famosos” que o cantor passaria uns dias no resort da publicação para melhorar a sua imagem. “E o editor adorou a ideia. Vai ser assim: ‘Leo Regis se recompõe depois da separação e do escândalo de vazamento de nudes ao lado do seu clã’. Você vai ganhar cachê por isso, moleque”, explica o empresário.

Personagen­s menos chapados oferecem mais chances aos atores, mesmo em uma comédia romântica sem maiores ambições. Em meio a atores mais qualificad­os, como Vladimir Brichta, Alinne Moraes e Rafael Vitti estão aproveitan­do bem esta oportunida­de oferecida pela novela.

Exibida na sequência de “Totalmente Demais” e “Haja Coração”, duas novelas que fizeram enorme sucesso com propostas bem infantis, “Rock Story” está entrando em sua reta final com boa audiência e, acho, uma missão cumprida.

‘Rock Story’ é raridade na Globo, uma comédia romântica que não trata o espectador como idiota

mauriciost­ycer@uol.com.br facebook.com/mauricio.stycer

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil