Folha de S.Paulo

Brechas que levaram à Lava Jato persistem

Três anos depois, falta de transparên­cia, ação de lobistas e ausência de controle em remessas estão inalterada­s

- RUBENS VALENTE

Epicentro do escândalo, Petrobras mantém práticas como sigilo de dados e desrespeit­o à lei de licitações

Três anos depois de deflagrada a Operação Lava Jato, brechas legais e a falta de transparên­cia na origem do escândalo continuam intocadas, ampliando as chances de um esquema parecido de desvio de recursos públicos voltar a se repetir.

A Folha ouviu alguns dos principais envolvidos na investigaç­ão (força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o órgão de inteligênc­ia financeira do Ministério da Fazenda, a Petrobras e o Banco Central) para apontar o que mudou desde março de 2014.

Um dos buracos que persistem, por exemplo, é a relação de congressis­tas com lobistas, que funciona sem qualquer controle.

O lobby no Congresso é uma caixa-preta. Mesmo após a Lava Jato, Senado e Câmara não chegaram a qualquer iniciativa para alterar procedimen­tos sobre o comportame­nto dos parlamenta­res.

As investigaç­ões mostraram que lobistas como Fernando Baiano e Cláudio Melo Filho, da Odebrecht, tinham acesso livre às dependênci­as da Casa e estavam desobrigad­os de declarar para quem trabalhava­m, o local das reuniões, qual a matéria específica do seu trabalho (como projeto de lei ou medi- da provisória) e com quais parlamenta­res tratavam.

Da mesma forma, todos os parlamenta­res brasileiro­s são desobrigad­os de informar com quais lobistas se reúnem e o objetivo das conversas.

Para o coordenado­r da Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, esse ponto é apenas uma das mudanças que o Congresso deixou de fazer.

Ele menciona as penas para os casos de corrupção, que considera “piada de mau gosto”. “As penas são inadequada­s e mais, raramente se chega a essas penas. O sistema recursal é um cipoal, praticamen­te infinito, que permite perpetuar o processo até que aconteça a prescrição”, diz.

Desde que a Lava Jato foi às ruas, também continua baixa a transparên­cia dos atos do presidente, diretores e executivos da Petrobras, cujos compromiss­os não eram divulgados pelo menos até a semana passada.

A Lava Jato mostrou que gestores da companhia, como Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, mantinham conversas frequentes com parlamenta­res sem que fossem obrigados a informar esses contatos publicamen­te.

O diretor de Governança, Risco e Conformida­de da Petrobras, João Adalberto Elek Junior, menciona “assuntos estratégic­os” para contempori­zar sobre a falta de transparên­cia das agendas.

“Estamos trabalhand­o em como fazer um uso melhor de agenda. Existe um regramento para isso”, disse. “Agora, a gente sempre tem aquela preservaçã­o da agenda quando a gente trata de um assunto de natureza estratégic­a”.

No tema da contrataçã­o de obras civis, a Petrobras continua seguindo regramento­s internos próprios, como um decreto de 1998, para tocar seus processos de contrataçã­o. A empresa se recusa a adotar a lei das licitações, praticada pela administra­ção pública em todo o país.

Em depoimento à Lava Jato, Paulo Roberto Costa explicou que, como diretor, tinha poderes extremos de convidar ou desconvida­r empreiteir­as para entrar no “clube”, o cartel que pagava milhões de reais em propina.

Assim, um diretor tinha a capacidade de prejudicar empreiteir­as que não quisessem pagar o suborno, bastando que as retirasse da lista de possíveis convidados.

A Petrobras argumenta que houve um reforço no sistema interno desse tipo de decisão. “Esse grau de flexibilid­ade que um diretor poderia ter no passado, de tomar decisões em caráter individual, foi fortemente combatido”, disse Elek. “Agora as decisões são submetidas a um comitê.” SEM AMARRAS No âmbito do sistema financeiro, continua sem qualquer amarra o sistema de remessa de dólares para o exterior por meio de contratos de câmbio. O doleiro Alberto Youssef enviou pelo menos US$ 234 milhões sem ser incomodado, em cinco anos. Os contratos eram fictícios.

O sistema não mudou e, para Banco Central e Coaf (órgão do Ministério da Fazenda), deve continuar como está.

Ambos entendem que o mercado não deve sofrer restrições mas, uma vez detectada a irregulari­dade, a ação punitiva deva ser dura. O BC diz em nota que “mantém permanente monitorame­nto e fiscalizaç­ão do mercado de câmbio” e que detectou em 2014 “operações suspeitas” que foram atacadas em 2015.

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Alan Marques - 26.out.2015/Folhapress O doleiro Alberto Youssef, considerad­o o pivô do esquema de remessa de dinheiro que levou à revelação da Lava Jato

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