ANÁLISE Holanda dá o tom para a reta final da campanha na França
FOLHA
As legislativas na Holanda da semana passada marcam o início de uma sequência eleitoral que pode definir o futuro da União Europeia.
Franceses, alemães e provavelmente italianos irão às urnas até o final do ano, em plena ascensão dos partidos eurocéticos e de negociações conclusivas para a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado “brexit”.
Quando todos esperavam uma confirmação da propalada escalada dos movimentos populistas, a extrema direita, liderada pelo excêntrico Geert Wilders (PVV), teve desempenho abaixo das expectativas. Mas essa é apenas uma parte da história. A outra parte, talvez mais intrigante, é a constatação do estado cadavérico dos partidos social-democratas europeus, com os votos da esquerda se dispersando entre trabalhistas, liberais e verdes. Entrementes, o VVD, de centro-direita, adotou a linguagem de Wilders, mostrando, mais uma vez, que a extrema direita tem força para influenciar governos sem necessariamente chegar ao poder.
As três tendências que emergiram na Holanda —desempenho decepcionante dos populistas, colapso da socialdemocracia e radicalização da centro-direita— são perceptíveis na campanha para as presidenciais francesas.
O debate desta segundafeira (20) entre os cinco principais candidatos vai servir de largada para a reta final, com o primeiro turno das eleições no dia 23 de abril.
Marine Le Pen, da Frente Nacional, continua sem perspectivas de obter votos para vencer o segundo turno.
Benoît Hamon, vencedor inesperado das prévias do Partido Socialista depois de prometer inflexão à esquerda, atravessa a campanha num constrangedor anonimato.
E François Fillon, candidato da centro-direita que apostou tudo numa retórica incendiária para desviar a atenção dos escândalos que o assolam, acabou alienando grande parte do seu eleitorado.
O beneficiário dessas três tendências é Emmanuel Macron, 38, na corrida pelo recém-criado movimento En Marche!. Pode-se dizer que ele tem seguido a estratégia do “coração à esquerda, carteira à direita”. Aliando agenda progressista nas questões sociais a uma política econômica liberal, Macron ocupou o espaço no centro deixado vazio por Hamon e Fillon.
Contudo, os ativos eleitorais de Macron o tornam particularmente vulnerável aos ataques de Le Pen. Afinal, ela tem como cavalos de batalha a colusão entre os partidos tradicionais, o abandono da soberania nacional e a onipotência do sistema financeiro; queixa, aliás, acompanhada de fortes tons antissemitas.
Ora, Macron, ex-banqueiro e ministro de um governo socialista, francamente europeísta, é a encarnação desse sistema que a Frente Nacional adora detestar.
Nesse contexto, a disputa contra Macron permitiria a Le Pen armar o debate do segundo turno como uma batalha entre o povo e o establishment político francês e europeu. A mesma receita que a extrema direita britânica aplicou no plebiscito sobre o “brexit” no ano passado, com o sucesso desastroso que conhecemos. MATHIAS DE ALENCASTRO