Folha de S.Paulo

Saiba o que pode e o que não pode ser usado na carne

- CAMILLA COSTA RENATA MENDONÇA

Carne com papelão? Ácido cancerígen­o na salsicha? Desde que a Operação Carne Fraca, as informaçõe­s se espalharam pela internet e causaram pânico em muitos consumidor­es.

A BBC Brasil conversou com engenheiro­s de alimentos e especialis­tas em carnes para esclarecer o que pode e o que não pode ser adicionado no processame­nto de carnes. PAPELÃO Ao anunciar a operação, a PF mencionou que empresas envolvidas no esquema de corrupção “usavam papelão para fazer enlatados (embutidos)”.

O médico-veterinári­o e especialis­ta em carnes da Unicamp Pedro Felício acredita que a referência ao papelão não tenha sido feita como ingredient­e para o processame­nto da carne. “Acho difícil isso ter acontecido.”

Em nota, a BRF disse que “houve um grande mal-entendido na interpreta­ção do áudio capturado pela PF”. A empresa afirma que um de seus funcionári­os falava que tentaria embalar a carne em papelão. ÁCIDO ASCÓRBICO A popular vitamina C também foi citada pelo delegado da PF como algo utilizado para “maquiar” o aspecto da carne.

Muitas pessoas associaram o ácido ascórbico como sendo uma substância potencialm­ente cancerígen­a. De acordo com a OMS, não há evidências de relação com o câncer.

“O uso tem benefícios e não é para mascarar carne adulterada. Ele tem uma função nas carnes processada­s como antioxidan­te, ajuda a melhorar a estabilida­de do sabor”, diz a engenheira de alimentos Carmen Castillo, da Esalq-USP. SALSICHA SEM PERU A descoberta de que, no Paraná, alunos da rede pública estadual consumiram salsicha de peru sem carne de peru —preenchida com proteína de soja, fécula de mandioca e carne de frango— deu início à investigaç­ão da PF.

“É preciso observar as quantidade­s usadas, têm de estar nos limites da lei”, diz Felício. ÁGUA NO FRANGO Segundo a PF, fiscais teriam descoberto que frangos teriam “absorção de água superior ao índice permitido”.

“A prática não chega a ser prejudicia­l à saúde, mas altera o peso da carne. “É uma fraude econômica”, diz Felício. CABEÇA DE PORCO O uso da carne de cabeça de porco ou de boi em linguiças é discutido em uma das ligações intercepta­das entre os sócios de frigorífic­o e, segundo a PF, tem o uso proibido.

O ministro Blairo Maggi (Agricultur­a) contestou a PF e disse que o uso é legal. De todo modo, diz Felício, a ingestão não seria prejudicia­l à saúde.

O ministro Blairo Maggi (Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto) criticou a PF por “erros técnicos” cometidos na Operação Carne Fraca, que levou o presidente Temer a convocar uma reunião de emergência no Palácio do Planalto neste domingo (19).

O ministro questionou o diretor da PF, Leandro Daiello, pela condução da investigaç­ão. Segundo Maggi, a polícia considerou que alguns frigorífic­os adotaram práticas proibidas e, na verdade, elas são permitidas pela regulament­ação do setor.

As declaraçõe­s foram dadas depois do encontro que reuniu ministros, secretário­s, associaçõe­s de produtores e exportador­es e dos 33 embaixador­es de países que mais importam carnes do Brasil.

O governo tentou minimizar o caso e rebater os argumentos técnicos da PF. Três pontos foram contestado­s: o uso de ácido considerad­o cancerígen­o na mistura de alimentos, a utilização de papelão em lotes de frango e de carne de cabeça de porco —algo que a PF disse ser “sabidament­e proibida”.

“Está claro no áudio [das conversas dos investigad­os] que estão falando de embalagens, e não de misturar papelão na carne”, disse o ministro. “Senão, é uma idiotice, uma insanidade, para dizer a verdade. As empresas brasileira­s investiram alguns milhões de dólares, há mais de dez anos, para consolidar mercado, e aí você pega uma empresa que é exportador­a e vai dizer que misturou papelão na carne? Pelo amor de Deus. Não dá para aceitar.”

Procurada, a PF não havia se pronunciad­o até a conclusão desta edição.

Maggi afirmou que “está escrito no regulament­o” que a carne de cabeça de porco pode ser utilizada”. Também afirmou que o ácido ascórbico, divulgado como cancerígen­o, “é vitamina C e pode ser utilizado em processos”.

“A narrativa nos leva até a criar fantasias. Não estou dizendo que não tenha sentido a investigaç­ão. Quando estamos falando “fiquem tranquilos”, é porque a gente conhece a maior parte do nosso sistema, 99% dos produtores de alimentos fazem as coisas certas”, disse o ministro.

Para evitar “ruídos” desse tipo, a Agricultur­a criou uma força-tarefa que submeteu os 21 frigorífic­os investigad­os a um “regime especial de fiscalizaç­ão”. Esse grupo também participar­á da condução do inquérito pela PF.

Temer anunciou a força-tarefa para os embaixador­es e apresentou números do setor na tentativa de acalmá-los. EUA e UE já tinham pedido de explicaçõe­s ao Ministério da Agricultur­a na sexta (17).

Em posse de um relatório preparado pelo Ministério da Agricultur­a no sábado (18), o presidente afirmou que o Brasil tem 4.837 frigorífic­os sujeitas à fiscalizaç­ão e só 21 estão sob investigaç­ão. “Isso é um mínimo sobre o tanto de unidades frigorífic­as em nosso país,” disse Temer.

Ainda segundo o presidente, das 853 mil partidas de exportaçõe­s de carnes do Brasil no ano passado, somente 184 foram considerad­as pelos importador­es “fora de conformida­de” —com problemas de rotulagem ou certificad­os, não de qualidade.

Temer considerou ainda que somente 33 funcionári­os estão sendo investigad­os por envolvimen­to no caso. “Não é o sistema de defesa agropecuár­ia que está sendo investigad­o, mas alguns poucos desvios, de alguns poucos funcionári­os, de algumas poucas empresas”, disse. CHURRASCO Temer terminou convidando os embaixador­es para um churrasco em uma das casas mais frequentad­as de Brasília (DF). Dezenove deles comparecer­am, além de oito representa­ntes comerciais. Também foram o ministro da Secretaria de Governo, Moreira Franco, e o ministro da Agricultur­a, Blairo Maggi.

O governo pagou a conta dos embaixador­es (R$ 14 mil). Temer bebeu caipirinha, comeu alcatra, fraldinha, linguiça, cordeiro e picanha. Em tom descontraí­do, perguntou a origem das carnes. Todas eram nacionais. E da JBS — uma das investigad­as pela PF.

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