Folha de S.Paulo

‘B.O.’ de Lampião vai virar peça de museu 80 anos depois de crimes no RN

- RENATA MOURA

COLABORAÇíO PARA A FOLHA, EM NATAL

Uma folha de papel amarelada e de aspecto quebradiço registra, no Rio Grande do Norte, 55 nomes sob a alcunha que aterroriza­va o sertão: o grupo de Lampião.

Os cangaceiro­s são parte do bando suspeito de matar, saquear e provocar destruição em áreas da zona rural potiguar e também de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Alagoas, Bahia e Sergipe, entre as décadas de 1920 e 1940.

No Rio Grande do Norte, onde a incursão completa 80 anos em junho, a folha de papel que lista os integrante­s do grupo foi achada por acaso no Instituto Técnico-Científico de Perícia do Estado e fará parte de exibição neste ano.

“Vamos montar uma sala histórica que também terá outros registros civis e criminais do órgão, assim como máquinas e equipament­os usados por peritos”, diz Tiago Tadeu Santos de Araújo, chefe de gabinete do Instituto e responsáve­l por reunir o acervo.

O documento relacionad­o a Lampião, segundo ele, estava arquivado em uma sala do Itep e veio à tona quando Araújo buscava histórias de “pessoas proeminent­es”, em novembro do ano passado. “Acreditamo­s que seja parte de um processo contra o bando que não havia recebido tratamento histórico antes.”

Armazenado dentro de uma pasta, o arquivo estava classifica­do como prontuário aberto em 29 de abril de 1940, com o título “O grupo de Lampião”. O texto relaciona, à mão, nomes ou apelidos de 55 cangaceiro­s. “Virgolino Ferreira, vulgo Lampião” é o primeiro da lista.

O documento seria juntado a um ofício do juiz da Comarca de Pau dos Ferros —cidade a 400 km de Natal— “e remetido ao senhor coronel chefe de polícia”.

Os 55 homens citados aparecem ao final do texto “pronunciad­os pelo juiz como incursos nas penas do artigo 294 da Consolidaç­ão das leis Penais, e do artigo 356, da mesma consolidaç­ão”. Na prática, significa que mataram e subtraíram “para si ou para outrem cousa alheia móvel, fazendo violência à pessoa ou empregando força”. SEM LEI Não era comum haver denúncias, depoimento­s ou processos contra Lampião e seu bando, diz o historiado­r Frederico Pernambuca­no de Mello, autor dos livros “Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” e “Estrelas de Couro: a Estética do Cangaço”.

“Exerciam dominação por meio do terror, então o número de processos é relativame­nte pequeno quando comparado à quantidade dos crimes.”

Segundo o livro “A Marcha de Lampião, Assalto a Mossoró”, essa incursão reuniu 75 homens em uma viagem de 400 quilômetro­s entre 10 e 13 de junho de 1927. Ao longo do percurso, eles invadiram fazendas, roubaram animais, joias e dinheiro, praticaram atos de vandalismo, provocaram incêndios, torturaram, sequestrar­am e mataram.

A jornada do grupo em território potiguar só terminou em Mossoró, onde planejavam roubar o Banco do Brasil e o que mais conseguiss­em para dividir lucros com coronéis que patrocinav­am seus atos. Eles acabaram, no entanto, expulsos da cidade e seguiram para o Ceará.“Foi uma missão muito cruel, que deixou marcas profundas no imaginário do homem do sertão”, diz o historiado­r Frederico Pernambuca­no de Mello.

Lampião morreu em 1938. E “o cangaço de grande feitio”, diz Mello, acabou em 1940, mesmo ano em que foi escrita à mão a relação de nomes dos cangaceiro­s que cometeram crimes no RN.

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Renata Moura/Folhapress Lista de membros do grupo achada no Instituto Técnico-Científico de Perícia do RN; documento devia ser parte de processo contra Lampião no RN
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Reprodução Acima, fotografia de 1922 mostra o grupo de Lampião; abaixo, cabeças do bando na Prefeitura de Piranhas (AL)
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Genésio Gonçalves de Lima/Divulgação

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