Folha de S.Paulo

Calderón pericia com manipulaçã­o caso jurídico em espetáculo-denúncia

- VALMIR SANTOS

FOLHA

Processos históricos e processos artísticos surgem entranhado­s na dramaturgi­a do chileno Guillermo Calderón, nascido dois anos antes do golpe militar que depôs Salvador Allende, em 1973. O Brasil conhece suas peças desde 2008, com “Neva”.

Em “Mateluna” (2016), na MITsp, o trabalho mais recente do também diretor avança nessa tensão poética ao eleger como ponto de partida um caso da realidade sociopolít­ica imediata e rente à pesquisa e à sala de ensaio.

O espetáculo-denúncia toma partido de uma causa: a liberdade do ex-guerrilhei­ro José Mateluna Rojas. Ele foi preso e condenado a 16 anos por, supostamen­te, fazer parte de uma quadrilha que assaltou um banco em Santiago em 17 de junho de 2013.

Meses antes, o personagem do título compartilh­ava com os atores e diretor a experiênci­a de integrar um grupo armado. Seu relato ajudou a erguer “Escuela” (2013), que versa sobre militantes de esquerda em treinament­o paramilita­r.

A ausência de provas e os vícios da investigaç­ão e da justiça são periciados em “Mateluna” como um dossiê jornalísti­co ou roteiro policial.

O ponto alto é a projeção de um vídeo oficial na última parte. Uma testemunha reconhece um dos assaltante­s como o quinto entre seis homens enfileirad­os. O inquiridor nomeia esse quinto sujeito como Jorge Mateluna, mas este é o quarto na imagem. Apesar das evidências, o ex-guerrilhei­ro segue encarcerad­o, mobilizand­o parte da sociedade.

A ação ou o efeito de manipular ganham proporções extremadas tanto na disposição dos fatos como na capacidade de invenção narrativa.

Pertinente, portanto, a mesa de som e vídeo ocupando a ponta do palco com sua operadora de costas para a audiência. Procedimen­tos à vista.

Após situar quanto às razões que mobilizara­m a contar essa história verdadeira, uma atriz-narradora anuncia a exibição de um trecho em vídeo de “Escuela”.

Na sequência, ela e cinco atores, todos de camiseta enrolada na cabeça —mas aos poucos seus rostos são revelados— demonstram como falharam em suas tentativas de elaboração formal e temática rumo ao atual espetáculo de urgências a que assistimos.

Chegam a parodiar o romance épico “Estética da Resistênci­a”, do alemão Peter Weiss, colocando Bertolt Brecht em diálogo com combatente­s da Guerra Civil Espanhola. Weiss abriu caminhos com o teatro documentár­io para decodifica­r passado e presente com veemência e alguma ironia, como atesta Calderón. QUANDO segunda (20) e terça (21), às 21h ONDE Teatro Municipal João Caetano, r. Borges Lagoa, 650, Vila Clementino, tel. (11) 5573-3774 QUANTO R$ 20; 12 anos AVALIAÇÃO muito bom

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