Folha de S.Paulo

Estridênci­a descabida

Troca de ataques entre autoridade­s deixa em segundo plano o interesse público na divulgação de informaçõe­s da Lava Jato

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O vazamento de nomes de políticos sob a mira da Lava Jato despertou reação desproposi­tada — pelo linguajar grosseiro e a ligeireza com que se trocaram acusações graves— de autoridade­s que deveriam dar exemplo de equilíbrio na condução das investigaç­ões e eventuais processos judiciais.

A escalada de ataques começou pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que atribuiu à Procurador­ia-Geral da República responsabi­lidade pela divulgação de informaçõe­s ora sob sigilo. “Não tenho dúvidas de que aqui está narrado um crime”, disse o magistrado nesta terça-feira (21).

Um dos motivadore­s de tal declaração foi coluna da ombudsman desta Folha, Paula Cesarino Costa, com críticas à cobertura da imprensa referente a pedidos de inquérito, que serão examinados pelo STF, envolvendo ministros e parlamenta­res citados em delações premiadas da Odebrecht.

De acordo com a ombudsman, cuja atuação é independen­te da Redação do jornal, dados sobre a lista de nomes foram passados por integrante­s do Ministério Público a veículos de imprensa, de maneira simultânea, sob a condição de anonimato da fonte.

Atropeland­o a discrição apro- priada ao posto, Gilmar Mendes aventou que o material trazido a público —no qual se destacam expoentes do PMDB e do PSDB— possa ser descartado na investigaç­ão.

Também excessiva foi a resposta, no dia seguinte, do procurador­geral, Rodrigo Janot —que, sem citar o ministro do STF, declarou não participar “dos círculos de comensais que cortejam desavergon­hadamente o poder político”.

A seu oponente em nada oculto, Janot dedicou expressões como “decrepitud­e moral” e “disenteria verbal”. Negou, por fim, o episódio narrado pela ombudsman e criticou a Folha pela publicação.

Há mais estridênci­a que substância nas investidas de lado a lado. É evidente, afinal, que haverá vazamentos em uma operação das dimensões da Lava Jato.

Sem dúvida, corre-se nesse processo o risco de propagação de versões parciais ou distorcida­s —esta, aliás, a legítima preocupaçã­o da ouvidora do jornal.

À imprensa cabe perseguir o esclarecim­ento dos fatos tendo como horizonte o interesse público; é tarefa das autoridade­s zelar pelos sigilos impostos por lei, sem que isso as exima de tornar mais transparen­tes seus procedimen­tos.

No hiato entre os pedidos de inquérito e sua aceitação ou não pela Justiça, estarão em conflito o direito da sociedade à informação e as garantias processuai­s dos investigad­os. Com serenidade, devemse debater maneiras mais racionais de harmonizá-los.

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