Folha de S.Paulo

Traslado de informaçõe­s

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SÃO PAULO - Ombudsman de quase todos os assuntos da República, Gilmar Mendes não poderia deixar de opinar sobre o trabalho dos jornalista­s. Ao comentar a divulgação de políticos envolvidos com a Lava Jato e criticar a Procurador­ia-Geral, o ministro do STF disse que “a imprensa parece acomodada com esse acordo de traslado de informaçõe­s”.

A imprensa decerto merece muitas e permanente­s críticas, mas “acomodada”, nesse caso, é um pouco demais. A discussão só existe porque a imprensa não se acomodou. Buscou informaçõe­s e trasladou ao público as que lhe pareceram embasadas e relevantes —seu trabalho, afinal.

O ministro fala em acordo. Qual seria? Toda fonte tem interesse. É papel do jornalista filtrar isso. Não há sinal, até aqui, de que algum repórter dessa cobertura tenha incorrido em conduta antiética ou criminosa.

Dito isso, a semana é sim propícia para discutir o que no jargão se chama “off the records”, informação de origem não explicitad­a ao público.

Em São Paulo, num caso heterodoxo, um blogueiro foi levado à PF para revelar quem lhe contou sobre a condução coercitiva de Lula. No Maranhão, três blogueiros acabaram presos porque estariam utilizando dados sigilosos para chantagem.

Nas duas situações, aponta-se que os envolvidos utilizaram a informação não de maneira jornalísti­ca, mas para beneficiar alguém ou a si próprio —o que está fora da garantia constituci­onal que preserva o sigilo da fonte no exercício profission­al.

É só o início da zona cinzenta. Mais e mais empresas usam técnicas jornalísti­cas para apurar algo destinado a um único cliente. Não há nada de errado com a atividade. Mas, a despeito do uso da técnica, isso não é jornalismo. O sigilo da fonte abarca esse exercício profission­al?

As nuances de uma profissão e de um setor em transição vão testar seguidamen­te os limites da lei, criada e executada por muitos dos que são objeto de notícias nada favoráveis. roberto.dias@grupofolha.com.br

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