Folha de S.Paulo

Um cenário ingrato

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BRASÍLIA - A turma que tenta melar a Lava Jato ganhou mais um motivo para sonhar. O ministro Gilmar Mendes sugeriu que a delação da Odebrecht pode ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal. Seria um tiro fatal nas investigaç­ões sobre os repasses da empreiteir­a a políticos.

O motivo alegado por Gilmar é a publicação de informaçõe­s sigilosas na imprensa. Ele acusou a Procurador­ia-Geral da República de tratar o Supremo como “fantoche” e afirmou que o vazamento de informaçõe­s é “eufemismo para um crime”.

“Cheguei a propor no final do ano passado o descarte do material vazado, uma espécie de contaminaç­ão de provas colhidas licitament­e e divulgadas ilicitamen­te. Acho que nós devemos considerar esse aspecto”, afirmou Gilmar.

As declaraçõe­s irritaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Numa reação furiosa, ele sugeriu que o ministro padece de “decrepitud­e moral” e “disenteria verbal”.

“Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergon­hadamente o poder”, acrescento­u o procurador, numa referência à presença constante de Gilmar em almoços e jantares com o presidente Michel Temer.

A troca de amabilidad­es é lamentável, mas questão que importa é outra: afinal, a delação pode mesmo ser anulada pelo Supremo?

Em conversas reservadas, três ministros da corte garantem que não. A divulgação de uma lista de investigad­os não compromete­u a Lava Jato, e a sociedade não aceitaria que a sujeira revelada pela operação fosse varrida para baixo do tapete.

Além disso, a anulação do caso poria em risco todas as investigaç­ões em curso no país. Daqui para a frente, os advogados passariam a adotar um método infalível: vazar provas contra os próprios clientes e pedir sua absolvição sumária. Seria um cenário ingrato até para os criminalis­tas, que se veriam obrigados a baixar o valor dos honorários.

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