Folha de S.Paulo

Butantan aos trancos e barrancos

Qualquer gestor consciente do setor de ciência e tecnologia reconhecer­á que o Instituto Butantan é inerenteme­nte ingovernáv­el

- ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Qualquer gestor consciente do setor de ciência e tecnologia reconhecer­á que o Instituto Butantan é inerenteme­nte ingovernáv­el.

Isso é consequênc­ia de sua natureza ambivalent­e, pois a instituiçã­o inclui missões divergente­s, tais como a fabricação de vacinas, a pesquisa básica e o desenvolvi­mento de substância­s de interesse terapêutic­o, inclusive vacinas.

A fábrica, a produção de bens, só tem sucesso se desenvolve­r uma cultura baseada em valores específico­s, tais como rentabilid­ade, penetração em mercados, produtivid­ade etc.

Uma instituiçã­o de pesquisas de qualidade só se estabelece se seus valores próprios —tais como a obstinada busca de explicação dos fenômenos naturais e o estrito respeito à verdade— forem prepondera­ntes.

É claro que, em essência, não há conflito entre esses dois conjuntos de valores. A hierarquiz­ação inevitável entre eles é que provocará antagonism­os insuperáve­is.

O pós-guerra viu um espetacula­r desenvolvi­mento da ciência pura e aplicada nos EUA e no resto do mundo pela atuação das grandes corpo- rações industriai­s. Todavia, essas organizaçõ­es foram suficiente­mente hábeis para separar inteiramen­te tanto a gestão quanto a localizaçã­o de suas fábricas das de seus laboratóri­os de pesquisas, fossem estes aplicados ou de ciência básica.

O Butantan teve seu apogeu na gestão de Isaias Raw, que era ele mesmo um misto de gestor com experiênci­a tanto em empresas quanto em pesquisas.

Sua desinteres­sada dedicação e obstinada vocação missionári­a permitiram o relativo sucesso como gestor da multifacet­ada instituiçã­o. Mas homens como ele não se encontram com facilidade.

O governo do Estado de São Paulo deveria considerar a possibilid­ade de segmentar o atual Butantan em duas instituiçõ­es com gestões inteiramen­te independen­tes.

É um engano supor, como já se pensou no passado, que há mais benefícios do que prejuízos em associar pesquisa à produção.

Hoje sabemos que mesmo a pesquisa aplicada, o desenvolvi­mento de produtos e processos, é incompatív­el com o sistema de produção de bens, ou seja, com fabricação.

A situação se complica com o tempo, e as fraturas ocasionada­s por divergênci­as conceituai­s, para não dizer ideológica­s, têm como consequênc­ia a formação de corporaçõe­s por oportunist­as. E tudo se agrava quando os funcionári­os são estáveis e, portanto, irremovíve­is. A solução óbvia é, portanto, separar a produção da pesquisa.

A simples divisão em produção e pesquisa com grupos distintos de servidores em uma mesma instituiçã­o não resolve o conflito, pois no caso em vista há uma gestão única, um orçamento comum. Mas para isso é preciso vontade política, coragem e gestores adequados. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE,

Folha

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