Folha de S.Paulo

ANÁLISE Atentado traz à tona a memória da invencível fleuma britânica

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

A emissora britânica BBC estava exibindo no início da tarde desta quarta-feira (22) cenas da retirada das pessoas que ocupavam ou o Parlamento britânico ou edifícios próximos. Marca registrada: calma e ordem.

É certamente “o espírito da blitz”, como o jornal local “The Guardian” registrou no dia seguinte aos atentados de 2005, em alusão à fantástica resistênci­a de Londres e dos londrinos aos ataques da aviação nazista durante a Segunda Guerra (1939-45).

Quem, como eu, acompanhou o rescaldo dos ataques ao metrô e um ônibus há 12 anos (56 mortos, cerca de 700 feridos), é obrigado a concordar com o Guardian.

Chega a ser inacreditá­vel a fleuma —historicam­ente associada ao povo britânico— com que se comportara­m na ocasião.

Escrevi à época, com Érica Fraga, minha sócia naquela cobertura: “Entre a paranoia que esse tipo de sinal [o de que ninguém está seguro] pode causar e a fleuma de ancestral genética, venceu ontem a fleuma”.

É claro que todo mundo se assusta em uma situação como a de 12 anos atrás ou como a desta quarta-feira, tenha sido esta um atentado terrorista ou loucura.

Mas parece haver uma combinação implícita entre os londrinos no sentido de que a vida tem que continuar sob pena de entregar um troféu aos terrorista­s ou aos loucos.

Afinal, é como dizia então até a contida rainha Elizabeth 2ª: “Aqueles que cometeram esses atos brutais contra pessoas inocentes devem saber que não mudarão nosso modo de vida”, disse a soberana, ao visitar vítimas em um hospital.

Pena que o terrorismo, sempre que praticado por muçulmanos, como aconteceu em 2005, provoque o receio de um rechaço aos cidadãos islâmicos.

Percorri então a Edgware Road, que vai do norte de Londres ao Hyde Park, um dos grandes cartões postais da cidade, e é chamada de “Beirute londrina”, pela grande concentraç­ão de árabes. Ou de “Londonista­n”, como comparação com “Pakistan”, já que é grande também o número de paquistane­ses, de todos os modos muçulmanos na grande maioria.

Nela, havia menos fleuma e mais medo e uma reação de repúdio ao terrorismo.

Hani, um sírio de 40 anos, havia três vendendo suco de frutas na Edgware Road, me disse que o atentado terrorista não podia ser coisa de islâmicos, porque é contra todos. “Aqui [na estação atingida], passam muçulmanos e judeus, cristãos e ateus. É ruim para todos”.

Um segundo grande atentado terrorista, ainda mais em outro dos cartões postais de Londres, só fomentará a já crescente xenofobia.

Prova: os comentário­s favoráveis ao “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia, que acompanhav­am o vídeo da emissora pública de televisão BBC.

Como se sair da Europa resolvesse alguma coisa.

Os autores dos ataques de 2005 não chegaram do continente ou de qualquer outra região. Viviam no Reino Unido e o pai de um deles era até dono de um “fish and chips” (peixe e fritas), o prato mais popular da culinária do Reino Unido, que não é propriamen­te sofisticad­a.

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