Folha de S.Paulo

Cinismo a favor da corrupção

- CLÓVIS ROSSI

DO JEITO que andam as coisas no Brasil, às vezes dá vontade de apelar e sugerir uma iniciativa como o italiano “Movimento dei Forniconi” (aquela forquilha com que se recolhe palha ou folhas no campo).

Os “forniconi” pregam a prisão de todos os parlamenta­res, membros do governo e até do presidente da República, por meio de uma “ordem de captura popular”.

Das palavras à ação: em dezembro, promoveram a “captura popular” de um ex-deputado (Osvaldo Napoli) da “Forza Italia”, o partido do ex-premiê Silvio Berlusconi.

Nesta quarta-feira (22), militantes do grupo em diferentes cidades italianas estão, eles próprios, sob ordem de captura.

É justo que seja assim, dado que se trata de uma ilegalidad­e. Mas, se os políticos e as autoridade­s brasileira­s insistirem nessa operação de cerco às investigaç­ões, cada vez mais explicitad­a, ainda vai surgir uma aberração similar no Brasil.

O cinismo dessa operação suja vai ao ponto de o deputado Vicente Cândido (PT-SP) defender abertament­e a anistia aos investigad­os/ presos pela Lava Jato.

Qual é a lógica alegada pelo deputado para anistiar seus pares?

“Distension­ar o país”, responde. É ridículo, grotesco e caricato, como dizia Geraldo Bretas, o mais polêmico comentaris­ta esportivo do país, morto em 1981.

O que “tensiona” o país é a corrupção, não a punição de corruptos. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi levado à extrema tensão (a falência) por Sérgio Cabral e seu sucessor, Luiz Fernando Pezão. Seria Cabral anistiado?

Outro exemplo de confusão entre causa e efeito aparece na indignação do ministro Gilmar Mendes, do STF, com o vazamento de informaçõe­s sobre as investigaç­ões da operação Lava Jato.

É óbvio que vazamentos têm que ser investigad­os e punidos, quando irregulare­s, mas daí até a pregar, como o faz Mendes, “descartar” as evidências contidas no vazamento equivale a quebrar o espelho para ocultar a sujeira que ele mostra.

Infinitame­nte mais grave que os vazamentos é a corrupção que eles revelam. Corrupção devidament­e comprovada pelo fato de que alguns dos acusados devolveram dinheiro aos cofres públicos.

Alguém limpo devolve dinheiro legitimame­nte auferido?

De ordem parecida é a ofensiva contra a Polícia Federal a partir da “Operação Carne Fraca”. Criticar o espetáculo feito pelos policiais é uma coisa; outra é querer demonstrar que o modelo brasileiro de fiscalizaç­ão é lindo.

Vejamos: o “Estadão” mostra que, dos 27 superinten­dentes do setor existentes no país, ao menos 19 são indicados por políticos.

É só somar dois mais dois: os grandes frigorífic­os contribuem regiamente para campanhas políticas; uma vez eleitos, parlamenta­res indicam quem chefia a fiscalizaç­ão dos frigorífic­os que os financiara­m. Você acha, honestamen­te, que esse pessoal será rígido na fiscalizaç­ão?

É como escreveu nesta quarta (22) o sempre excelente Bernardo Mello Franco: “É difícil sustentar que os vilões da história são os investigad­ores, e não os frigorífic­os investigad­os. Foram eles que compraram fiscais, enganaram consumidor­es e, claro, financiara­m campanhas”.

Pois é, Bernardo, o Brasil está de ponta-cabeça.

Ofensiva contra as investigaç­ões equivale a quebrar o espelho para que não mostre a sujeira

crossi@uol.com.br

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