Folha de S.Paulo

Reformas na Belíndia

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

EM SUA mais recente coluna nesta Folha (folha.com/no1867807), Samuel Pessôa negou que a reforma da Previdênci­a proposta por Temer contribua para ampliar as desigualda­des profundas de nosso país —tese que defendi no artigo “Velho Brasil”, publicado em 16/3 (folha.com/ no1866767).

Samuel argumenta que “grande parte dos benefícios nas cidades é concedida por tempo de contribuiç­ão”, aos 55 anos em média, estando a aposentado­ria por idade restrita à zona rural. Sendo assim, mesmo que a nova idade mínima atinja sobretudo os mais pobres, conclui que “não é claro que a reforma aumente a desigualda­de, já que ela afeta [também] a aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão, que são os maiores benefícios”.

Nas áreas urbanas, 19,6% das aposentado­rias são por idade. No entanto, é verdade que as aposentado­rias por tempo de contribuiç­ão são mais importante­s nas cidades (30% do total) e quase irrelevant­es nas áreas rurais (0,2%). O que surpreende é que se tire daí a conclusão de que a reforma proposta não amplia desigualda­des.

O trabalhado­r rural, que hoje consegue se aposentar por idade desde que comprovado­s ao menos 15 anos de trabalho, passaria a ter de contribuir mensalment­e por 25 anos no mínimo para ter direito a uma aposentado­ria parcial.

Ainda que ignorássem­os, como Samuel, o forte impacto da alteração da idade mínima e do tempo mínimo de contribuiç­ão nas áreas rurais e das mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada) —que atingem deficiente­s e idosos mais carentes—, a maior parte dos atingidos estaria na base da pirâmide de distribuiç­ão de renda brasileira. Afinal, mesmo entre os aposentado­s de áreas urbanas, 54,6% recebem até um salário mínimo.

Samuel parece ter esquecido também que a lei 13.183, de 2015, já atacou o problema da aposentado­ria precoce nas cidades, pois fixou fórmula que leva em conta a soma de anos de idade e anos de contribuiç­ão (85/95) com regra de ajuste demográfic­o.

Samuel afirma ainda que “o tempo de sobrevida para as pessoas que chegaram aos 60 anos é no Brasil praticamen­te igual ao valor europeu” e que “a diferença de sobrevida aos 60 ou 65 anos entre Estados da Federação brasileira e entre a zona rural e urbana no Brasil também é muito baixa”.

A diferença na expectativ­a de sobrevida entre o Brasil e os países da OCDE pode parecer pequena, mas não é. Uma diferença de um ou dois anos nesse indicador pode demorar décadas para ser tirada —a depender, entre outros fatores, de como avança o nosso sistema de saúde (e o deles!). Entre 1991 e 2000, a expectativ­a de sobrevida aos 65 anos subiu apenas de 15,4 para 15,8 anos no Brasil, para dar um triste exemplo. Além disso, a expectativ­a de duração da aposentado­ria é de 13,4 anos no Brasil e chega a 17,6 anos na média dos países da OCDE.

Quanto às desigualda­des dentro do país, a expectativ­a de sobrevida aos 65 anos é de apenas 15,8 anos em Rondônia e 20 anos no Espírito Santo, por exemplo. Infelizmen­te, não há dados do IBGE para a expectativ­a de vida desagregad­os por área urbana e rural —talvez Samuel possa nos dar acesso aos seus—, mas parece muito improvável que a heterogene­idade seja negligenci­ável ou similar à de países europeus.

Diante da estagnação do desenvolvi­mento humano brasileiro revelada pelos novos dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi­mento), o economista Naércio Menezes alertou para os riscos de “tratar macroecono­mia e questão social como separadas”. “Na hora de fazer as reformas, o país precisa pensar muito nas famílias mais pobres”, afirmou em entrevista ao “Valor Econômico” de 22/3. Na Belíndia, reformas que imponham a todos o padrão da Bélgica são fáceis de desenhar, mas não levam ao desenvolvi­mento.

Reformas que imponham a todos o padrão da Bélgica são fáceis de desenhar, mas não levam ao desenvolvi­mento

LAURA CARVALHO,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil