Folha de S.Paulo

ANÁLISE Música faz parte da trama quase como personagem

- LÚCIO RIBEIRO

FOLHA

Na última cena, quando “T2 Trainspott­ting” parece ter sua trama resolvida (na medida em que um filme desses, com uma história dessas, pode estar “resolvido”), a agulha da vitrola cai num vinil, para o ato final. Num volume bem alto, começa a ser tocada “Lust for Life”, hino punk de Iggy Pop feito em parceria com David Bowie, quando os dois viviam a vida louca em Berlim nos anos 1970.

A música, um dos clássicos do rock, é a mesma que está na inesquecív­el abertura do “Trainspott­ing” de 1996, quando dois dos atores principais do filme saem pelas ruas de Edimburgo, com um deles proclamand­o o famoso texto “Escolha uma vida, escolha uma carreira...”, mantra da vida louca da juventude britânica dos anos 1990.

Mas em T2 “Lust for Life” vem diferente, mexida, em remix do grupo Prodigy. Assim como a explosiva “Born Slippy. NUXX”, da icônica banda eletrônica Underworld, outro hino do primeiro filme que aparece na trilha desta sequência que estreia agora como “Slow Slippy”. A música do Underworld, 20 anos depois, foi desconstru­ída e reconstruí­da em ritmo lento, devagar, como que refletindo o envelhecim­ento do filme.

“T2” modifica, portanto, dois clássicos da obra de 1996 que não deveriam nunca serem modificado­s —porque, enfim, são clássicos. Mas ficou tudo muito bom.

A trilha sonora de “Trainspott­ing” de 1996 é tão importante quanto o filme em si e o livro que o gerou. A música fez parte da trama quase como um personagem. Não é um mero enfeite musical. Misturou figurões como Iggy Pop, Blondie, New Order e Lou Reed com novidades fundamenta­is de seu tempo.

Refletiu o espírito da época da “cool Britannia” dos meados dos 1990, botou Pulp e Blur representa­ndo o fenômeno britpop e lançou o citado hino do citado Underworld, o que ajudou a fazer a música eletrônica sair dos clubinhos e chegar ao mainstream.

Talvez com menos impacto, mas tão boa quanto, a trilha de “T2” vai pela mesma… trilha do original. Refez Iggy Pop e o hoje clássico Underworld, convocou The Clash, Queen, Run DMC e jogou luz em excelentes nomes novos como Young Fathers, Wolf Alice e Fat White Family.

Este último, maravilhos­o grupo de Londres de um certo pós-punk indie de sonoridade quase própria, já entrou em um hiato para “acalmar” um pouco, alegando que a vida louca anos 2010 que estavam levando poderia matar.

Enfim, uma banda totalmente “Trainspott­ing”.

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