Folha de S.Paulo

ANÁLISE Longa original se tornou ícone improvável de uma era perdida

- IGOR GIELOW

De uma época que gritava para se fazer relevante, o “Cool Britannia” dos anos 1990, pouco restou.

Seu movimento musical de ponta, o britpop, foi sequestrad­o pelo trabalhism­o róseo do então premiê Tony Blair e evaporou junto com ele.

As pessoas ainda ouvem Oasis, claro, e o Blur até lançou um álbum recentemen­te, mas o próprio caráter regressivo daquela onda, que olhava para o passado cultural do Reino Unido, tratou de imprimir a ela um certo tom de pastiche.

É até algo irônico que um dos ícones mais duradouros daqueles anos seja um filme coalhado de subversão institucio­nal, ainda que bem embaladinh­a para o consumo pop.

Jovens perdidos falando um inglês incompreen­sível enquanto transitam num mundo de drogas pesadas, relacionam­entos ocos e violência era tudo o que o radiante Reino Unido de 1996 parecia não querer legar.

Mas “Trainspott­ing” transcende­u reducionis­mos. A estética aplicada pelo cineasta Danny Boyle em sua estreia, “Cova Rasa”, foi ampliada e adotada pela subcultura clubber —que se mostrou, afinal, perene.

“Born Slippy”, do Underworld, virou hino de pista de dança, camisetas com o grafismo da divulgação do filme se espalharam pelo mundo.

A influência do “alt-90s” fashionist­a do longa foi tema da “Vogue” ao comentar coleções para 2016.

Houve até quem colocasse na conta dos hábitos desregrado­s dos personagen­s a subida no consumo de heroína pelos britânicos.

O opiáceo saiu do gueto e passou a ser a principal causa de morte entre usuários de drogas no país após o filme.

Isso tudo configura um fenômeno que era meio insondável no começo de 1996.

O texto que apresentou o filme no caderno “Ilustrada” naquele ano, escrito por este repórter enquanto correspond­ente em Londres desta Folha, tentava enquadrá-lo como um “Kids britânico”.

O polêmico filme norteameri­cano, lançado em 1995, passava por temática semelhante e havia feito consideráv­el barulho.

Mais de 20 anos depois, Danny Boyle está na pista. Alguém fala de Larry Clark (dica: é o diretor de “Kids”)?

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